terça-feira, 18 de setembro de 2007

01 - RESUMO



O presente trabalho têm como objetivo mostrar a relação do homem com o mito e à divindade, e de que forma ele tenta conquistar sua simpatia e as graças do seu santo preferido, aqui no caso, Santo Antônio, o Santo Casamenteiro. A pesquisa mostra também aspectos culturais de Campos dos Goytacazes, desde a inauguração da igreja, que foi construída por negros escravos.
De forma ampla e abrangente, esse trabalho vai além e procura mostrar outros aspectos relativos à vida do Santo, a relação com outras crenças, crendices e simpatias, bem como o pagamento de promessas e ex-votos.
Aborda através de contextualização de outros pesquisadores renomados, os diferentes aspectos da cultura, das artes, do folclore, da folkcomunicação, passando pela história da Igreja de Santo Antônio, localizada no distrito de Guarus, em Campos dos Goytacazes, até chegar ao ponto principal, o pagamento de promessas.

02 - INTRODUÇÃO


De que forma o homem se relaciona com o seu mito? Essa pergunta me veio à mente a partir do momento em que soube do teor do tema da 8ª Conferência Brasileira de Folkcomunicação, “A Comunicação dos Pagadores de Promessas: Do ex-voto à indústria dos milagres”. Diante disso, procurei entre as inúmeras igrejas de Campos dos Goytacazes, uma que pudesse me dar embasamento para esse trabalho, e escolhi a Igreja de Santo Antônio, em Guarus. Pelo aspecto do nome do santo, e pelo fato dele ser considerado como o “Santo Casamenteiro”.
Mas por quê “santo casamenteiro?” Essa questão também ocupou grande parte da minha pesquisa e através dos inúmeros sites a respeito do santo, não consegui encontrar uma explicação, mas descobri outros fatos a respeito do santo.
Tendo como base, diversos livros de comunicação social, de folkcomunicação, folclore e antropologia, fui trabalhando a parte teórica da minha pesquisa até chegar as pesquisas de campo, com inúmeras entrevistas, tanto na igreja, como nas ruas laterais, para descobrir junto com os moradores outras histórias a respeito dessa igreja, do santo, e das lendas a respeito de ambos. Isso sem falar, que também fui procurar pessoas de outras crenças para me falar a respeito das simpatias e dos trabalhos que normalmente os “solteiros desesperados” ou “encalhados” - como é dito popularmente -, procuram fazer para conseguir encontrar a sua cara-metade.
Mas todo o trabalho não parou por aí, e procurei no filme “A Marvada Carne”, adaptado da peça teatral de Carlos Alberto Soffredini, dirigido por André Klotzel, produzido em 1985, para compor de que maneira o ser humano se relaciona com o seu mito.É através de cenas desse filme e dos relatos de pessoas ligadas à igreja, como o padre paroquial, as beatas, os moradores de ruas próximas à igreja, além de cartomantes, pais-de-santo, vendedores de ex-votos e imagens de santos, de homens e mulheres que conseguiram encontrar sua cara-metade, mostro de que forma o homem se relaciona com seu mito, e faz para conseguir alcançar o milagre de encontrar um marido ou uma esposa.

03 - DESCRIÇÃO DA PESQUISA

Todo o início de uma pesquisa que envolve a vida de alguém, ou de um santo, como Santo Antônio precisa começar justamente pela origem de sua vida, bem como pelos fatos que geraram a existência de tantas lendas e crendices ligadas ao santo. Em “Santo Antônio, sua vida, seus milagres”, descrevemos toda a biografia do santo, para então, posteriormente, em outros capítulos mostrarmos de forma abrangente e minuciosa todas as crenças exemplificadas nos relatos de vários depoentes que ao longo de seis meses nos deram a oportunidade de fazer esse trabalho.

3.1 - Santo Antônio, sua vida, seus milagres


De acordo com pesquisas efetuadas em diversos sites e pela revista “Antônio – O Santo do Povo”, com texto do Pe. José Artulino Besen, Editora Mundo e Missão, 1999, Lisboa estava sob o domínio dos árabes desde 716. Os mouros – seguidores de Maomé -, e liderados pelo rei Sancho I, reuniram um outro exército de cruzados e em 1189 conquistaram Algarve, garantindo assim os limites de Portugal. Depois da guerra, os soldados se entregavam a todo tipo de orgias, matanças, estupros, saques, além de desonrar donzelas e degolá-las, abrir os cofres e tomar jóias. Curioso é que o objetivo da guerra era conquistar mais cidadãos para a fé, mas a sede dos vencedores só era aplacada com sangue e orgia.

No dia 15 de agosto de 1195, Dia da Assunção de Nossa Senhora nascia Fernando de Bulhões y Taveiro de Azevedo, filho de Martinho de Bulhões e de Maria Teresa de Taveiro, jovens membros da nobreza que haviam participado das lutas pela independência portuguesa. Como residiam próximo da catedral, no alto da colina chegavam ao castelo de São Jorge, de lá podiam avistar todo o bairro mouro, e com isso Fernando aprende português e árabe, as duas línguas faladas em Lisboa.
Os pais do menino desde cedo se preocuparam em dar ao menino uma educação humana e cristã, por isso o encaminharam para a Escola dos Cônegos da catedral. Naquele tempo, seu pai sonhava em ver Fernando armado como cavaleiro, um dos grandes ideais dos jovens medievais, mas para surpresa de ambos, Fernando decide seguir a carreira religiosa e com o apoio dos pais, ele aos 15 anos ingressa no Seminário da Ordem dos Cônegos Regulares de Santo Agostinho. Como em Lisboa, as visitas e as regras da vida religiosa não eram respeitadas, e tendo concluído Filosofia dois anos depois, Fernando solicita sua transferência para a Ordem dos Agostinianos no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra. É nesse ambiente sério que ele se dedica as Sagradas Escrituras, e por ter excelente memória ele passa a ter um vasto conhecimento das Sagradas Escrituras.
Após ter concluído os estudos regulares, Fernando é ordenado sacerdote e um dia, cinco jovens batem à porta do Mosteiro, descalços e pobres, pedindo esmola em forma de comida. Fernando atende abrindo a porta e pede que participem da mesa comum. Conversa então com os freis Otto, Bernardo, Acúrsio, Adiuto e Pedro. Descobre que os cinco jovens estavam se preparando para ir para o Marrocos, na África como missionários, e moravam bem próximo dali, no convento de Santo Antão dos Olivais. Fernando passa a visitá-los no convento descobrindo que eles eram frades de uma ordem fundada poucos anos antes, por Francisco de Assis, cuja espiritualidade era viver na pobreza e nada possuir. Não possuíam conventos e se sustentavam com esmolas, tudo isso com o objetivo de anunciar a Palavra de Deus. Fernando tem o seu coração tocado pela disposição e alegria dos cinco jovens que partem para o Marrocos, tão pobres e felizes.
Em fevereiro de 1220, Dom Pedro, irmão do rei de Portugal traz as relíquias de cinco frades missionários no Marrocos. O rei Miramolim os liqüida a golpes de espada, e os seus corpos são estraçalhados pela multidão, porque eles insistiam em anunciar o Evangelho.
Fernando então toma a decisão de abrir seu coração aos frades do convento dos Olivais, perguntando sobre a missão franciscana. Como frade agostiniano, ele não pode pregar o Evangelho, toma a decisão de entrar para a Ordem Franciscana. Em 1221, Fernando é admitido na Ordem, e troca seu nome, chamando-se Antônio, frei Antônio de Lisboa, depois disso, recebe ordem de partir para a missão no Marrocos.
Segue então com o frei Filipe de Castela, com quem aperfeiçoa a língua árabe, que já conhecia de Lisboa. Mas ao desembarcar no Marrocos, uma grave enfermidade o coloca no leito, deixando-o incapacitado durante meses para qualquer atividade. Segundo alguns pesquisadores, teria sido a malária agravada pela hidropisia, depois disso ele nunca mais teve saúde perfeita.
Ao retornar três meses depois, para Portugal, uma violenta tempestade no Gibraltar, faz com que o comandante do navio em que viaja, tome a decisão de deixar o barco solto, e eles vão aportar em Messina, na Sicília, chegando portanto na Itália. Os frades de Messina, recebem com muita alegria frei Antônio e contam-lhe que em Assis irá se realizar uma grande assembléia franciscana, o Capítulo Geral da Ordem. E em fins de maio de 1221, festa de Pentecostes, todos os frades estão na cidade de Assis. São quase três mil frades espalhados pela planície, dormindo sobre esteiras em pequenas cabanas.

Durante a assembléia, frei Antônio, fica entristecido com sua situação, mas as palavras de Francisco o enchem de luz, como descrito na página 10, da revista “Antônio – O Santo do Povo”:

“Peço a todo irmão doente que, dando graças por tudo ao Criador, deseje ser assim como o quer Deus, seja são ou seja enfermo, pois ao que Deus predestinou para a vida eterna, a eles ensina com o aguilhão dos flagelos e das enfermidades... Por isso, peço a todos os meus irmãos enfermos que, em suas enfermidades, não se encolerizem nem se inquietem contra Deus ou contra os irmãos, nem vivam por demais ávidos por encontrarem remédio... nem pretendam excessivamente libertar a carne que em breve há de morrer e é inimiga agonizante da alma”.

A mesma revista ainda acrescenta:

Como Frei Antônio de Lisboa, não havia sido notado, ele foi encaminhado ao Frei Graciano, de Romagna, que descobre ser ele um padre, destinando-o a Forlí, um pequeno convento de Monte Paulo, onde os freis queriam uma missa diária. Frei Antônio ficou ali durante um ano e meio, até que em 1222, diversos diáconos seriam ordenados sacerdotes na catedral de Forlí, em meio à festa, o pregador não apareceu e frei Graciano chama Frei Antônio para fazer a pregação. Falando inicialmente em italiano popular para todo o povo, ele os anima a não perder a esperança naquela época tão difícil onde o pobre era tão explorado. Suas palavras são duras contra os poderosos que oprimem o povo. De repente ele passa a falar em latim dirigindo-se para o bispo, os padres e jovens clérigos, citando trechos da Bíblia, e emocionando a todos que estavam presentes.
Após sua pregação, Frei Antônio se dispõe a pregar o Evangelho ao povo, e sai do convento de Monte Paulo. A igreja vivia momentos difíceis, enquanto muitos queriam ouvir o verdadeiro Evangelho e aprender a imitar Jesus, boa parte das autoridades religiosas estavam se descuidando da vida cristã em nome do poder. Com isso, crescia o número de seitas que se colocavam contra a Igreja, o Papa, os sacramentos. Mesmo assim, é no meio desta realidade que frei Antônio realiza seu trabalho missionário, buscando converter os pecadores e trazendo de volta à Igreja, os afastados.

O primeiro milagre de frei Antônio ocorre em Rímini (Itália), cidade onde os cátaros exerciam grande influência sobre o povo. Em sua biografia a revista conta que,

Ele como sempre foi a Praça da Catedral pregar o Evangelho, como havia poucas pessoas no local, ele combinou que voltariam no dia seguinte. No dia seguinte, no mesmo horário, ele estava de volta a Praça e encontrou as mesmas pessoas do dia anterior e alguns hereges. Enquanto comentava a Bíblia, o povo não acreditava em suas palavras e por fim não quiseram mais ouvi-lo. Depois disso, ele rezou muito, e certo dia foi caminhar à beira do mar Adriático, na foz do rio Marecchia. Para espanto de algumas pessoas que o acompanhavam, ele parou ergueu as mãos e gritou olhando para as águas: “Ouçam a palavra de Deus, vocês, peixes do mar e do rio, pois os infiéis não querem ouvi-la!”. Naquele mesmo instante, uma grande multidão de peixes aproximou-se da praia, colocando a cabeça para fora a fim de ouvir o Santo falar. Todos os peixes estavam atentos, os menores na frente e os maiores atrás.

Depois disso, Antônio ainda gritou em louvor:

“Bendito seja o Deus eterno porque mais o honram os peixes aquáticos do que os homens heréticos, e melhor escutam suas palavras os animais do que os homens infiéis”.

Dito isso, o povo também começou a chegar mais perto, incluindo os hereges agora caído aos seus pés, pedindo que continuasse a falar, pregando então a fé católica, e fazendo com que os cátaros voltassem a verdadeira fé. Despediu-se dos peixes com a bênção de Deus e todos partiram felizes, povo e peixes.
Um outro milagre de frei Antônio aconteceu quando um herege não acreditava nas suas palavras e blasfemava, ridicularizando a presença de Jesus na Hóstia consagrada. Enquanto Antônio argumentava, Bonvillo fazia farra.

Até que o herege gritou: “Ó frade, acreditarei na Eucaristia se tiver uma prova”. E propôs o seguinte desafio: “Vou deixar minha mula três dias sem comer seu alimento preferido, o feno do campo. Depois de três dias tu colocarás diante dela isso que dizer ser Hóstia sagrada. E eu, de minha parte, colocarei o cheiroso feno do campo. Se ela não comer o feno e adorar a Eucaristia, acreditarei”. O povo ficou impressionado, silencioso, esperando a resposta de Antônio: “Aceito, para teu bem, do povo e da glória e honra de Deus”.
Três dias depois a praça estava tomada pelo povo. Um hino começa a ser cantado dentro da Catedral e, em procissão, Antônio traz a Hóstia consagrada.
Pouco depois, aos berros e blasfêmias, empurrando a mula, chega Bonvillo. Trouxe um saco cheio de feno que espalhou perto do altar. Soltou a mula para o lado de Antônio, esperando que avançasse sobre o feno. O animal não saía do lugar, por mais que Bonvillo o empurrasse e batesse com o chicote.
Antônio, que estava todo o tempo de joelhos, se ergue para abençoar o povo com o Santíssimo Sacramento. O povo se ajoelha e a mula, para admiração de todos, dobra respeitosamente as patas dianteiras em adoração.
Único em pé é Bonvillo. Mas foi tocado pela graça divina e, cheio de lágrimas, cai de joelhos adorando o Santíssimo.

Entre 1223 e 1226, frei Antônio passou a pregar o Evangelho a pedido de Francisco de Assis, inicialmente para os frades como o primeiro bispo de sua Ordem, depois em outras cidades como Bolonha, na Itália; Carcassone, Toulose, Limoges, na França. Até que em 3 de outubro de 1226, morre Francisco de Assis. No ano seguinte, frei Antônio sai de Montpellier, na França, atravessa a pé a Provença e se dirige a Assis, para o Capítulo Geral, na festa de Pentecostes.
Foi no inverno de 1227, que ele finalmente chegou a Pádua, Itália, pela primeira vez. No local chamado Arcella, onde há um convento de frades e um mosteiro de Clarissas, ordem religiosa fundada por Francisco de Assis junto com Clara de Assis, que ele permanece por algum tempo. Até que em 1228, ele é chamado para ir a Roma, onde o Ministro Geral da Ordem queria ouvir alguns conselhos sobre o voto de pobreza. Cumprida a missão, ele deseja retornar a Pádua, mas o Papa Gregório IX que fora amigo de Francisco deseja ouvi-lo. Após pregar no Colégio Cardinalício e ao Papa, este deu-lhe o título de “Arca do Testamento”, devido ao seu conhecimento das Escrituras. Ao retornar para Pádua, ele passa por Assis e assiste a canonização de Francisco, agora São Francisco de Assis, menos de dois anos após sua morte.
O terceiro e último milagre de frei Antônio, ocorreu exatamente nessa época, quando desciam da França para a Itália, e estavam tomados pela fome, chegaram em um povoado pobre e falou para seu companheiro:

“Irmão, quando estamos com fome podemos pedir esmola, sem ter vergonha disto. Jesus foi pobre e viveu de esmolas”.
Bateram na porta de uma casa e uma velhinha pobre e viúva, veio atende-los. Cheia de compaixão pelos frades, manda-os entrar e participar de sua mesa: meio pão seco, algumas azeitonas e algumas nozes. Desce à adega e traz um jarrinho de vinho para que bebam. Como tem apenas um cálice, vai à vizinha e pede um emprestado.
Os frades, dando graças a Deus, iniciam a refeição. E começam os problemas. O companheiro de Antônio, desajeitado, bate com o copo na mesa e o parte em dois. A pobre mulher fica sem jeito, pois o cálice era emprestado. Mas faz que não viu. Desce à adega para trazer mais um pouquinho de vinho e, assustada, viu que deixou a torneirinha aberta e todo o vinho estava derramado pelo chão. Retorna triste: “Ai de mim, perdi todo o vinho e já não posso servi-los...”. Antônio, comovido pela dupla desgraça, inclina-se sobre a mesa e se recolhe em oração. Após alguns minutos, o cálice partido se recompõe como se fosse novo e a mulher exulta de alegria. Mas o Santo continua: “Vá à adega e encha a jarra de vinho pois meu companheiro está com a garganta seca”.
A mulher, mesmo sabendo que o vinho estava todo derramado, desceu. E, maravilhada, encontra a pipa cheia de vinho, fervilhando como se fosse novo. Sobe depressa para agradecer ao bom homem. Mas eles já tinham ido embora, pois receavam que o povo, sabendo do fato, os enchesse de honras.

Outro dos milagres de frei Antônio foi quando um homem muito ciumento, não queria reconhecer a paternidade do filho. A mãe aflita solicitou que frei Antônio fizesse alguma coisa, este tomou o bebê nos braços e pediu que em nome de Deus, indicasse quem era o seu pai. E o recém-nascido estendeu as mãozinhas mostrando que queria ir para o colo daquele homem ciumento, desfazendo todas as dúvidas.
Os textos dessa mesma revista dão conta de que frei Antônio gostava muito de se encontrar com crianças e catequizá-las. E em 1231, depois de pregar uma série de sermões da Quaresma, ele ficou extremamente cansado e retirou-se com outros frades para um lugar retirado cheio de árvores, em Camposanpiero. O povo ao descobrir que frei Antônio estava naquele lugar ía todos os dias para ouvir sobre Deus, e ele não consegue ter a paz que tanto desejava.
Até que um dia depois do almoço com os frades, ele perde as forças, ajudado pelos frades se retira para uma das celas do convento. A noite, preocupado com seu estado de saúde o velho Conde Tiso chega ao convento para fazer uma vigília e resolve olhar o frei por uma janelinha e o vê de joelhos, com os braços estendidos para a frente. Segundo a revista:

O Conde escuta a oração: "Ó filho de Deus, peço-te com toda a devoção que me libertes dos pecados. E quando chegar o último dia de minha vida, faze com que, conduzido pela mão dos anjos, eu possa chegar até ti cheio de júbilo”. De repente uma forte luz inunda toda a cela. E o Conde vê, entre os braços de Antônio, o Menino Jesus, cheio de alegria. frei Antônio o abraçava e beijava, contemplando-lhe a face com ardor incessante. Era tal o amor de frei Antônio pelo Menino Jesus que Maria resolve dar-lhe a alegria de tê-lo ao colo, como ela o tivera em Belém.

Na manhã de 13 de junho de 1231, frei Lucas e os outros frades prepararam a carroça de um camponês para transportar frei Antônio até Pádua, mesmo ele estando fraco e tomado pela dor e pela febre. Nessa viagem ele conserva os olhos sempre abertos e voltados para o céu. Ao ver seus amigos chorarem ele ainda encontra forças para consolá-los, especialmente seu grande amigo o frei Lucas:

“Não chore por minha causa, frei Lucas”. O pai Francisco chamou a morte corporal de nossa ´irmã`. E eu assim a considero, porque será ela a abrir-me as portas do céu! Lá do céu espero ajudar ainda mais os pobres, os pequenos, os doentes, os fracos, os velhos, os pecadores... Os pobres, frei Lucas, são o povo de Deus. É por isso que os que vivem em verdadeira pobreza possuem alegria”.

Segundo conta a revista, frei Antônio não conseguiu chegar a Pádua e foi deixado no convento de Santa Maria de Arcella. Antes de entrar no convento, frei Antônio deu sua última bênção à sua querida Pádua. Logo depois pediu que frei Lucas o atendesse em confissão, em seguida ele com voz suave canta um hino à Virgem Maria: “Ó gloriosa Senhora, mais alta que as estrelas...”. Os frades então passam a entoar alguns Salmos e frei Antônio morre tranqüilamente. Sem ninguém saber como, naquela sexta-feira, 13 de junho de 1231, as crianças pelas ruas de Pádua saíram gritando: “Morreu o frade santo! Morreu Santo Antônio!”. O frei foi sepultado na terça-feira seguinte, passando a ser para sempre, “o Santo”. Em menos de um ano após sua morte, o Papa Gregório IX, o canoniza, em 30 de maio de 1232, dia de Pentecostes.
No mundo cristão, Santo Antônio é um dos mais populares, e em todas as paróquias e cidades brasileiras há uma capela para sua devoção e no Brasil são mais de 500 igrejas que o têm como padroeiro. Segundo consta ainda nessa mesma revista, Santo Antônio é invocado pelos pobres, pelos sofredores e as esmolas dadas com a finalidade de obter sua intercessão chama-se “Pão de Santo Antônio”, e em muitas igrejas, as missas são celebradas na terça-feira, onde se faz a bênção dos pães e sua distribuição.
Mas é somente na América Latina que Santo Antônio possui a fama de casamenteiro e o Santo das coisas perdidas. Diante disso, muitas moças pedem sua intercessão para realizarem um bom casamento, e casais pedem ajuda para manter a família unida. E quem perde um objeto e reza o Responso de Santo Antônio, reencontra-o.
Santo Antônio foi tão importante para a Igreja Católica que, em 10 de janeiro de 1946, o papa Pio XII o proclamou Doutor da Igreja com o título de Doutor Evangélico, significando que Santo Antônio deu sua contribuição original e autêntica para a vivência e conhecimento da fé cristã.
Em 1263, o povo de Pádua, conseguiu concluir a imensa basílica em honra do Santo. Nesse ano, a urna com os restos mortais foram levados para o templo e para surpresa de todos, com exceção dos ossos, tudo tinha virado pó menos a língua, que se encontrava incorrupta. Como consta a revista, “quis Deus que aquela língua, usada sempre para o anúncio do Evangelho e para levar as pessoas à conversão, não retornasse ao pó. Ainda hoje se encontra em Pádua, dentro de um precioso relicário. Quando frei Boaventura apresentou a língua de Santo Antônio, ao povo, exclamou: “Ó língua bendita, que sempre louvaste e fizeste louvar ao Senhor, agora se vê como foram grandes os teus méritos junto de Deus”.

3.2 - O Santo Casamenteiro


Mas afinal por quê Santo Antônio é tido como “Santo Casamenteiro”? Ao entrevistar o Padre Paulo Henrique Barreto da mesma paróquia, este declara que:

“(...) ele ajudou uma vez um casal, que não tinha o dote pra ele se casar, então ele ajudou essa noiva com o casamento e facilitou o casamento dela. Daí então, se espalhou a notícia de que ele ajudava em casamento, era o casamento dele”.
E no livro “Santo Antônio – vida, milagres, culto”, publicado pela Editora Vozes, o autor, Frei Basílio Röwer, conta nas páginas 137 e 138 que:
“No teto da Capela-Mor da Igreja do Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro existe um quadro a óleo, pintado sobre madeira. Deve ter mais de dois séculos que aí está. Representa este quadro a loja de um prestamista. Está o dono (pelas feições do rosto se vê que lhe corre sangue de judeu nas veias) junto do balcão pesando moedas de prata, colocando-as numa concha, havendo na outra apenas um pedaço de papel. Em frente do balcão está uma donzela, que, em atitude modesta, observa o pesar da prata.
(...) Havia uma jovem pobre, mas virtuosa, a quem faltava o dote para se casar honestamente. Muitas vezes ouvira falar do compadecimento de S. Antônio para com os necessitados e dos milagres que Deus fazia por sua intercessão. Atenderia ele às suas preces se lhe pedisse o dote? Certo dia, lá vai ela ajoelhar-se aos pés da imagem do Santo e pelo amor do Menino Jesus em seus braços pede humildemente o que deseja. Ela foi ouvida e de uma maneira que não esperava.
Estando assim ajoelhada, viu um papel desprender-se da mão do Santo, caindo sobre as suas mãos devotamente postas. Era uma cartinha dirigida ao tal prestamista. Dizia ela: “Fulano, dê à portadora moedas de prata equivalentes em peso a este papel. Ass. S. Antônio”.
A moça nem de leve duvidava que tudo era realidade e, coisa admirável, nem tampouco o prestamista. Pois ela foi à loja, apresentou o papel e o prestamista leu-o como se fosse negócio de todos os dias. Sem inquirir coisa alguma, nem perguntar por garantias, colocou o papel na concha e na outra moedas. Outro milagre: Colocou, tornou a colocar mais moedas; mas o papel era sempre mais pesado, até se completar a quantia necessária para um bom dote. O prestamista entregou à jovem o dinheiro e deixou-a ir em paz. A jovem agradeceu e radiante voltou para casa, não havendo mais nada que obstasse ao casamento”.
Ao ler estas páginas não me restou outra alternativa e ir até a cidade do Rio de Janeiro para conseguir essa imagem que realmente está no alto do altar da igreja. E com a ajuda de Frei Clarêncio Neotti, após a primeira missa da manhã, consegui fotografar essa imagem. E a respeito desse fato Frei Clarêncio me expôs o seguinte:
Nós sabemos que Santo Antônio defendeu muito os interesses e a dignidade do povo de seu tempo, particularmente em seus sermões durante o tempo das pregações que ele fazia nas vilas, catedrais, centros de cidades, nas praças públicas, e ocorreu que o chefe regional da zona paduana, baixou um decreto exigindo que só podia casar a mulher que trouxesse o dote. Dote é uma certa quantia em moedas, ou em ouro, ou em animais, que o pretendente, a pretendente devia levar para os pais do rapaz. Para com isto se excluíam todas as moças pobres, só as ricas que podiam casar, pessoas ricas tinham o dote. Isso fazia uma diferença muito grande, entre rico e pobre, uma discriminação insuportável, no dever, na dignidade de cada pessoa humana. Santo Antônio reagiu muito forte e foi ao chefe regional, o “Duca”, como eles chamavam, foi ao chefe regional e com muita insistência exigiu o cancelamento desse decreto, e conseguiu. Apesar deste homem, ser um homem famosamente violento, e famosamente interesseiro, nas finanças locais ele foi obrigado, forçado a cancelar esse decreto e a partir de então as moças passaram a invocar Santo Antônio para encontrar um bom partido de casamento, isto é um fato que se conta na vida de Santo Antônio.

3.3 - De que forma o homem se relaciona com seu mito?


"é comum, no meio rural, os moradores, quando não conseguem algo racionalmente, buscarem no sobrenatural o reforço para a realização dos seus intentos”. 1

A epígrafe acima, parece ter sido muito bem utilizada por Carlos Alberto Soffredini em sua peça teatral, bem como por André Klotzel, que dirigiu e produziu em 1985 o filme “A Marvada Carne”.
Nesse filme, a personagem Carula, interpretada por Fernanda Torres, mora num arraial e reza todos os dias para Santo Antônio, para que ele lhe arranje um marido. Um dos bons momentos do filme é a maneira como Carula se relaciona com o seu santo protetor, levando-o inclusive para a beira do rio quando ela vai lavar a roupa, e sua vontade de encontrar um marido chega a tal ponto que por raiva, ela o afoga, e num outro acesso de raiva, ela o atira para fora da janela, e é nesse momento, que surge o personagem Nhô Quim, interpretado por Adilson Barros, que viria a ser o seu tão desejado marido.
Algumas cenas do filme, principalmente as cenas de Fernanda Torres com o santo, são mostradas após alguns versos de uma música. O primeiro verso é cantado assim:

“Meu Santo Antônio, venerado
meu santinho namorado
encontrar o que está perdido
me ajudai encontrar marido”.

E ela então começa a falar com o santo e a cena mostra a personagem em cima de uma árvore arrancando flores para dar ao santo:

“Ai meu Deus, olha aqui meu santinho, não é uma lindura? Fala a verdade, ocê bem que viu a jurema2

que deu pra apanhar, num viu? Entonce, agora num está também na hora do Senhor cumprir com a sua obrigação de santo?”


Antes da cena do poço, vem então o segundo verso cuja letra é essa:


“Eu fui no mato, cortar lenha
Santo Antônio me chamou
Se Santo que é Santo chama
Que fará um pecador”.

E Carula (Fernanda Torres) indaga o santo do porquê de tanta demora:

“Afinal de contas, meu santinho, que ocê tá esperando, meu santo? Tá esperando que eu fique feia, feia que nem o urutau? Pa mó di nenhum perário di atoa querê ponhá os óio por riba deu? É, é santinho. Ara!

Logo em seguida, vem o terceiro e último verso dessa música, cantado assim:

“Santo Antônio me piscou
De cima do seu altar
Mai óia o maluco do santo
Querendo me namorar”.

E a personagem então, já impaciente com aquela demora, fala assim:

“Eu não vou mais lhe trata com essa melúria3

toda não, viu santinho! De hoje em diante você vai saber bem quem é essa fia de meu pai! Qué vê?”

E a personagem afoga o santo na água com requintes de crueldade, chegando até mesmo a assobiar, e depois de algum tempo traz o santo à tona, e este começa a borbulhar, e em seu semblante uma cara de quem está com raiva.
Como o objeto do desejo dela não vem, ela então vai até a pequena capela e começa a dizer:

“Óia aqui o que eu chego a lhe dizer não tem vortinha, na ponta não, viu? Vai e fica. Eu já tô, meu santo pras turina4 com ocê, tá entendendo? Eu já tô pras turina com seu ar de tolo, com esses seus óios granado, aí. E marido que é bão, meu santo, neca! Ocê qué sabe do que mai? Ocê qué sabe? Oi qui meu santinho! Meu santinho! Abasta desta tua luzinha”.

E começa a apagar as luzes das velas.

“Abasta de toda essa luzinha aqui ó, que eu venho acendendo por estes dois ano, viu meu santo? Abasta de suas florzinha, viu? Chega!”

E começa a despedaçar todas as flores e apagar todas as velas. Então ela toma de uma raiva contida e...

“Chega! Ai mo Deu me segura! E abasta de Santo Antoninho, tumbém, viu?”

E acaba atirando o santo com toda a raiva para fora do seu quarto através da janela, fechando a mesma. Finalmente o santo atirado pela janela vai cair na cabeça de Nhô Quim, interpretado por Adilson Barros, que vinha chegando ao arraial, e ele resolve devolver o santo. Por um buraco na parede Carula (Fernanda Torres), fica feliz com a chegada do intruso e resolve agradecer a ajuda do santo:

“Vizeu meu santinho por tudo me arranjado. Gradecida meu santinho. Gradecida pelo marido que me arrumado. Bom, é bem verdade que eu tinha lhe pedido um mocetão di danado di bonito e sacudido, né mermo? Esse Quim aí, que ocê... Não esse Quim é um pombinho. Gradecida meu santinho estou muito feliz com tudo, muito obrigada, gradecida, gradecida, gradecida, gradecida. Bom, marido eu já arrumei, né? Agora só tá fartando mermo, ele me pedir, mas isso, deixe comigo”.

Diante disso, ela então resolve procurar Nhô Quim, tentando chamar sua atenção, mas este, nem lhe dá atenção. Chateada ela desabafa com o santo:

“A curpa é sua, viu? Me arranja o dito cujo e já cuida de tá mai mió de bão, né? E eu que me arranje suzinha a mó de laçá o guarampa”.

Enfim a personagem Carula acaba tendo a ajuda da personagem Nhá Tomaza (Lucélia Machiavelli) e começa então a bolar um plano para conquistar a atenção de Nhô Quim. Na cena do riacho, as duas começam a conversar sobre o casamento e Nhô Quim ao ouvir que se Carula casar o pai vai lhe fazer uma festança e matar um boi, este então cumprimenta Carula com um sorriso e ela devolve o sorriso totalmente derretida para ele.
Até que finalmente Nhô Quim pede a mão de Carula, mas para isso precisa fazer umas provas. Como as provas não acabam, Nhô Quim e Carula resolvem fugir para casar na cidade, tendo a cumplicidade dos pais dela. Na cena da fuga, Nhô Quim resolve bater na janela chamando por Carula, mas ao bater na janela errada, o pai dela, Nhô Totó (Dionísio Azevedo), sussurra dizendo: “é a outra”, comunicando que a janela da filha era a seguinte.
Na cidade Nhô Quim, resolve vender a cabra, comprando comida e as alianças. Vão a um cartório e quando o Oficial os declara marido e mulher, Carula com um sorriso desmaia de emoção, afinal tinha conseguido o que ela mais queria, um marido.


1 - Alceu Maynard Araújo, Folclore Nacional, VII, Melhoramentos, 1964, p. 17 – In: Comunicações & Problemas, vol. 1, n. 1, Recife, ICINFORM, 1965, p. 9-15.
2 - A palavra foi pronunciada no sentido de “trabalheira”.
3 - [Cruz. De mel com lamúria?] S. f. 1. Pop. Lamentação habitual; queixa astuciosa. 2. Ato ou palavra manhosa, untuosa. 3. Brás., S. Agrado, lisonja. S. 2.g. 4. Pop. Pessoa dissimulada. – Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Aurélio Buarque de Hollanda. Pg. 915.
4 - [Do lat. Turinu]. Adj. Relativo a incenso. 2 – Adj. e s.m. Diz-se de, ou espécime de uma variedade portuguesa de gado bovino de uma raça holandesa. – Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Aurélio Buarque de Hollanda. Pg. 1432..
5 - Guarampa – O mesmo que “sujeito”. Seu verbete não foi encontrado no Dicionário da Língua Portuguesa.

3.4 - O Casamento



A respeito do casamento e suas superstições, Luís da Câmara Cascudo, em seu “Dicionário do Folclore Brasileiro”, 9ª edição, Global Editora, São Paulo, 2000, pg. 121, escreve assim:

Casamento – As superstições e os prognósticos ligados ao casamento são os mais numerosos em todo o mundo. Universais, incontáveis, pela unidade do assunto transmitem-se fielmente. As superstições relacionadas com o casamento denunciam a importância capital do sexo, o lírico poder do amor, onipotente e onipresente. Os santos casamenteiros, Santo Antônio, São João, São Gonçalo, Nossa Senhora de Lourdes e Nossa Senhora da Conceição, têm milhares de adivinhações e fórmulas para que o devoto pressinta o futuro amoroso. Trata-se aqui exclusivamente da cerimônia do matrimônio e das superstições principais decorrentes do ato, antes, durante e depois dele. E alude-se a uma quantidade ínfima, na impossibilidade de recolher e conhecer as que existem.
Eis algumas delas: o casamento deve ser em dia de semana e não no domingo. Moça que se casa no dia de Santana, 26 de julho, morre de parto. Toda a roupa e os sapatos da noiva devem ser gastos em seu uso pessoal; dando-os, dará parte de sua felicidade. O ato de vestir a noiva, provoca a boa sorte para as moças. Prender com um alfinete o vestido branco da noiva e pôr na cabeça a grinalda de flores de laranjeira são grande anúncio de matrimônio próximo. Escreve-se o nome das moças no solado do sapato dos noivos ou num papel que é posto dentro do calçado. Os noivos, especialmente a noiva, podem durante a bênção matrimonial, ir chamando mentalmente pelo nome de suas amigas, e estas irão se casar, sucessivamente. Na ida para a igreja, os noivos devem ser os últimos, e ao voltar, casados, serão os primeiros. O noivo não deve ver a noiva vestida para a cerimônia. O noivo não deve tocar objeto algum que vá ser usado pela noiva na cerimônia do casamento, exceto ouro e vidro. Não deve a noiva assistir à leitura dos banhos (proclamas) de seu casamento na igreja.
Durante a cerimônia do casamento os prognósticos são numerosos. Não podem olhar para trás na ida e na vinda da igreja. Serão felizes se chover durante o casamento ou depois da cerimônia. Abre o baile dançando com o marido ou com o seu padrinho de casamento. A noiva oferecerá as flores do seu ramo, oficialmente os cravos, às amigas e aos rapazes, mordendo os botões. Os presenteados casarão logo.
Os casamentos do sertão brasileiro guardam muitas tradições que têm sido registradas. A Corrida do Anel (ver Anel), a recepção dos recém-casados com tiros de rifles, foguetões, vivas e os cantadores louvando, o jantar infindável, com as saúdes, e o baile eram e ainda são conservados em muitos lugares. O noivo não pode ir com a noiva para o quarto nupcial. Irá a mulher e depois o homem. Só o noivo tem o direito de tirar o véu da noiva, que será doado ao oratório da casa. Quem se deitar em primeiro lugar indicará o sexo do primeiro filho. Se for o marido, homem. Se for a esposa, mulher.
O protocolo, ainda obedecido no sertão, é amanhecer de branco, marido e mulher. No primeiro domingo depois do casamento o casal oferecerá um almoço (ou os sogros oferecem) aos padrinhos do casamento e aos amigos mais íntimos. É o almoço da boda, finalizando as festas matrimoniais.


Ao iniciar esse trabalho de pesquisa sobre “Os Milagres de Santo Antônio Casamenteiro”, uma das maiores dificuldades foi conseguir encontrar uma pessoa, seja ela, mulher ou homem que confessasse ter obtido ajuda de Santo Antônio para encontrar o seu grande amor. O padre Paulo Henriques Barreto, chegou a informar que no dia 18 de dezembro de 2005, entre os inúmeros casamentos realizados por ele, naquele sábado, havia o de uma jovem que desejando encontrar um marido para se casar havia participado da Trezena de Santo Antônio. Mas como nenhuma das três se prontificou a dar maiores informações a respeito de seu casamento, este pesquisador acabou encontrando na guardiã da Capela de Santa Maria, e Ministra da Eucaristia, Adriana do Nascimento Terra de Souza, a personagem que faltava para comprovar o fato de que Santo Antônio realmente têm o poder de fazer com que as jovens e os homens consigam realizar o seu desejo de se casarem.
Com 18 anos de casamento, e tendo um casal de filhos, Adriana contou como foi a sua história de amor, e de como encontrou seu atual esposo, Antônio Carlos Carvalho de Souza,


É até uma história engraçada porque saí do serviço, trabalhava na época, combinou eu e uma amiga de irmos na festa, aí como a tradição diz que ele é o Santo “casamenteiro”, né? Aí fomos nós atrás de um namorado, não é nem de casamento, de namorado, principalmente ela que estava mais velha que eu, aí fomos. Quando chegamos lá, minha irmã estava pequena, fui eu com minha irmã e tudo, e nem encontrei com essa amiga minha lá, não. De fato, nem encontrei com ela, fiquei eu e minha irmã sozinha, mas eu não sou muito de ficar em tumulto, nem nada. Falei: “ó, vamos embora, que Santo Antônio, não está com nada nas calcinhas, deixa eu ir embora”, chego lá, nisso meu marido, nisso já estava já flertando já com meu marido. Meu marido já morava em bairro mesmo, de perto da comunidade, mas não tava nada oficializado. Ele que vinha pra festa, encontrou comigo, e falou assim: “você vai embora?”, eu falei: “vou, já estou indo embora”, ele “ah! Então não vai não, espera que eu te levo pra casa, eu só vou entrar na igreja, e vou voltar”, nisso eu esperei ele, já tinha ido na igreja, primeiro do que ele, já tava cá fora, ele falou assim: “então vai lá, que eu te espero aqui fora”, aí nisso já foi, que ele já tava, ficamos conversando e tal, e nisso conversa vai, conversa vem, ele foi pra casa, ele que foi contando a história, que ele já estava querendo me namorar e tal, eu falei assim: “é, fui duvidar do santo”. Hoje em dia já estou casada com ele mesmo, já tem 18 anos que nós somos casados, graças a Deus, tenho um casal de filhos com ele, os meus filhos foram batizados, ali, entendeu? (...)A gente é fiel, sabe que o santo não faz milagre, quem faz é Deus, mas ele que intercedeu muito a Jesus por mim, pelo meu casamento sempre peço, tenho pedido por ele, porque eu falo “ó Jesus, Santo Antônio já casei aí na sua igreja, então agora o senhor auxilie, né? Alguma coisinha que houver, né?”. Aí graças a Deus, estamos juntos pelo altar do Senhor, que fomos lá fazer os nossos votos de casamento, estamos casados até hoje, graças a Deus.


O escritor campista, José Cândido de Carvalho em seu livro “Olha para o céu, Frederico! – Romance acontecido em Campos dos Goytacazes nos dias do gramofone”, narra a vida do personagem Eduardo, que passava horas no sótão da casa de seu tio Frederico, em São Martinho, conversando com os santos em seu oratório. Na página 17, ele chega a descrever um verso de uma cantiga para Santo Antônio, ei-la:


“(...) O oratório era meu grande divertimento. Passava horas metido no sótão em conversa com os santos. Martírios de São Sebastião, todo furadinho de setas. Milagres de Santo Antônio casamenteiro. Uma sarará sabia cantigas que enterneciam o santo:
Santo Antônio, Santo Antônio,
casai-me que bem podeis.
Já tenho teias de aranha
naquilo que bem sabeis”.


E o Padre Paulo Henrique em seu depoimento define o casamento e a relação com Santo Antônio dessa forma:


“As pessoas se esquecem que casamento é você ser feliz, mas fazer a outra pessoa feliz também. As pessoas às vezes até correm atrás do santo, de um milagre, de um casamento feliz, como se isso dependesse apenas de Deus e da intercessão de Santo Antônio, mas o casamento depende 100% de Deus e 100% deles também, de cada um de nós em particular. Que as pessoas hoje não entram com esse 100%, não (?), você me dizer quando alguma coisa está assim, e se esquecem que casamento é doação total, sem reservas. (...) Não, eu acho importante até mesmo recorrer a Deus nos casos assim mais difíceis da vida, e sobretudo pedir a Santo Antônio já que ele tem também essa fama, acho que não custa você pedir a intercessão de Santo Antônio, de Nossa Senhora, qualquer outro santo, mas lembrando sempre que é Deus é quem nos faz esse milagre, essa vontade, e algo que vale a pena, acho que como diz Fernando Pessoa: “tudo vale a pena, quando a alma não é pequena”. Pela grandeza que é a alma, Deus ajuda, sempre com toda certeza, e quem tem essa devoção deve permanecer fiel a Deus e deve levar adiante. Não se esqueça que quem dá é sempre Deus, o santo intercede”.

3.5 – O que o homem perde, Santo Antônio encontra

Mas nem só de casamentos, vive Santo Antônio, ele também é conhecido por ajudar as pessoas a encontrar objetos perdidos. Nesse ponto, vale lembrar que no sul do país, o Negrinho do Pastoreio, figura lendária de um menino negro, também ajuda as pessoas a encontrar objetos perdidos.
Para a idosa, Durvalina Ribeiro Gama, 80 anos, Santo Antônio já lhe ajudou em algumas ocasiões, como no encontro com sua filha, e sobre os objetos que estavam sumidos: a chave da bicicleta e uma tesourinha, como ela conta:


“(...) Mas aconteceu comigo, eu tinha uma filha, ela se casou e foi morar fora daqui, com poucos dias de casada, ela sofreu um desastre de carro, e quebrou a cabeça, ela trabalhava na Secretaria de Educação, lá em Niterói. (...) E com esse desastre ela teve que parar de estudar, ela sofreu muitas operações na cabeça, nem sei porquê (?), então ela ficou muito doente, nós tivemos muito trabalho com ela, foi uma luta pra gente conseguir trazer para aqui, porque ela não queria vir embora lá de Niterói. (...) Mas, ela então depois veio morar aqui conosco, e ela costumava muito sair e ela quando saía, nós até sofremos muito com ela, muito mesmo. (...) Ela passou a beber, se embriagar, ela saía, levava dois, três dias, não sabia onde andava, as vezes eu passava a noite sem dormir, esperando por ela, quantas vezes, pela madrugada, alguém batia palmas eu chamava logo meu marido e a gente vinha ver, era alguém dando notícia dela, aí a gente ia pra rua pra poder trazê-la pra casa. Mas levamos assim 21 anos nesse sofrimento, ela tinha tempo que melhorava, tinha tempo que piorava, mas agora eu vou contar o milagre de Santo Antônio.
Foi um sábado à tarde, ela pela manhã saiu pra fazer uma comprinha pra mim, e não voltava, nunca mais que voltava. Daí até a minha irmã estava aqui em casa, minha irmã mais velha que morava em Niterói, (...) eu preciso (?) Dalila, eu vou sair pra ir ver a minha filha que se chamava Ana Maria. Eu saí com minha irmã procurando por ela, procurando. Antes as lojas já estavam fechando, e ela, eu vendo que ela não... tão fechando, estavam fechadas, porque foi um dia de sábado, e comércio aqui dia de sábado fecha meio-dia, uma hora (...). Então, quando eu vinha por uma rua, pela rua 21 (de Abril), eu me lembro muito bem, que eu olhei, e vi que ela vinha nessa mesma rua, mas bem na minha frente, aí eu corri, pra ver se alcançava, minha irmã ainda disse assim: “você parece uma mulher maluca, correndo pela rua, aqui na cidade”, eu disse: “ah minha filha! Por causa de uma filha a gente faz tudo”. Mas quando eu olhei ela já estava ainda muito distante, ela dobrou da Rua 21, dobrou pra Rua Barão de Cotegipe, eu disse: “ah! É agora, eu vou perdê-la!”, aí eu gritei: “Santo Antônio! Santo Antônio, me ajuda Santo Antônio!”, falei mesmo: “me ajuda Santo Antônio!”. O senhor sabe, quando eu cheguei na esquina, ela dobrou, foi Santo Antônio que fez ela parar, aí eu falei com ela, ela veio, nós viemos embora para casa. Então eu disse: ”isso foi um dos milagres que Santo Antônio me fez”.
“Outra vez, as crianças quando eram pequenas, apanharam a chave da bicicleta do meu marido, aí a chave sumiu eu disse: “gente, o quê que eu vou fazer, quando ele chegar com essa chave da bicicleta!”, aí eu fiquei: “Meu Jesus, o quê que eu faço?”, aí eu disse: “Santo Antônio, me faça essa chave (?)”. O senhor sabe, eu havia passado uma roupinha das crianças, e posto no armário, quando eu abri a porta do armário, a chave estava em cima da roupinha que eu havia passado. Eu disse: “Não se entende isso, não”, eu disse: “só foi Santo Antônio, que fez isso”.
”E a pouquinho, pouquinho tempo, aqui em casa até dão risada, porque (?), porque eu sou muito invocada com Santo Antônio, mas não sou não, porque ele tem me mostrado muita coisa. A poucos dias, eu tenho uma tesourinha de unha, e a tesourinha sumiu, pois eu procurei em todo lugar, no lugar até que eu costumo guardar, nada. Eu disse: “ah, o jeito vai ser...”, isso levou uns quinze dias, “o jeito vai ser eu comprar outra tesourinha”. Meu marido dizia: “trata de comprar outra tesoura porque não vai achar, não!”, pois o senhor sabe, na gaveta que eu costumo guardar, que eu já havia procurado, e ele me disse também, meu marido: “eu também já procurei nessa gaveta”. Quando eu abro a gaveta, a tesourinha estava assim (mostrando), quase tudo separado, assim na gaveta e a tesourinha ali no meio, como se alguém tivesse colocado ali. Eu disse: “só é obra de Santo Antônio, só é obra dele”. Porque na gaveta eu mexi, meu marido mexeu, eu não mexi uma vez só não, mexi na gavetinha muitas vezes, isso (?) na gaveta, a tesourinha, e quando eu trabalho de agulha é com ela que eu corto a linha, faço essas coisas assim, corto minhas unhas. Pois a tesourinha, que eu abri a gaveta, estava dentro da gaveta. Isso é coisa que aconteceu comigo. Eu posso falar que foi milagre dele porque foi mesmo, foi mesmo. E quando eu estou em muito desespero, e todos nós temos, né? Ah! É a quem eu recorro, é a ele e a Nossa Senhora.


Ao fazer seu depoimento a este pesquisador, o industrial Manoel Pereira da Silva, relatou que um antigo colega havia perdido uma agulha e como ele sabia do poder de Santo Antônio, fez a oração e conseguiu encontrar o objeto. Eis o seu relato:

Que curioso que, eu tinha uma devoção de falar tanto (...) pessoa perde alguma coisa, reza para Santo Antônio, aí eu perdi um objeto que não me lembro agora e rezei agradecendo, aí antes de perder eu tenho o costume de fazer isso, além de agradecer eu rezo uma coisa maior, varia mais, assim fora a promessa. Aí uma vez um colega meu, ele perdeu um objeto que era uma agulha, uma pequena agulha que ele fez um relógio dele de água. Ele pegou aquela agulha que segurava um ponteirinho que marcava o hidrômetro, e essa agulha ele demorou pra fazer que ela tinha uma medida certa, pra fazer dava uma dor de cabeça. Ele tinha muito cuidado com essa agulha, ele perdeu a agulha falei: “e agora rapaz, vou ter a maior aporrinhação pra achar essa agulha de volta”. Falei: “é Santo Antônio, que você acha”, mas falei brincando até, “mas como? Eu perdi essa agulha” tinha uma plantação de amendoim selvagem na chácara dele, tem as folhas pequenas que fosse pra matar cimorro (?), “caiu ali dentro como é que eu acho?”, falei: “mas aí tá o milagre, vai ali reza e procura”, aí ele levou na brincadeira, “não vou rezar, vou perder meu tempo, não (...) vou achar”, eu fiz de brincadeira com ele. Rezei uma Ave-Maria, abri a folha de amendoim selvagem e achei uma agulha perdida no meio do amendoim selvagem. Ele falou: “ó, nunca mais eu vou brincar com isso de devoção, de achar ou perder qualquer negócio de santo”, que isso pra mim foi milagre, achar isso aí.

3.6 - A Patente de Santo Antônio



Trazido de Portugal para o Brasil, a imagem do santo passou a ser venerada da mesma forma que na sua terra natal. Curiosamente, quando o povo mais se ressentia de uma derrota ou de estar em uma situação muito difícil lembrava de pedir a intercessão do santo, e este, prontamente os atendia.
No livro “Santo Antônio – vida, milagres, culto”, pgs. 144-146, Frei Basílio Röwer, nos conta a respeito de algumas dessas batalhas, cuja intercessão do santo salvou o povo brasileiro. Eis o seu relato:


1640 – Quando, em 1640, os ocupantes franceses e holandeses se aproximaram da ilha de Boipeba, ao sul da Bahia, nada tinham os moradores para se defender. Recorreram a S. Antônio, orago da matriz, fecharam-na e foram observando a princípio o movimento do desembarque, daí a pouco viram o contrário. Ficaram livres sem atirar uma só flecha. Voltando à matriz encontraram a imagem de bruço diante de Jesus crucificado, como pedindo proteção. A ele, portanto, atribuíram o feliz desfecho.
1708 – Na guerra chamada dos “Emboabas”, os paulistas eram sempre vencedores e não quiseram aceitar as condições que os portugueses ofereceram para se render. Estes então tentaram a última investida perto de São João Del-Rei. Na muralha de seu fortim colocaram a imagem de S. Antônio. Saindo na manhã do outro dia para dar combate aos paulistas, não encontraram a ninguém. Na imagem de S. Antônio descobriram uma bala engastada no cordão.
1710 – S. Antônio, cuja imagem esteve colocada na muralha do Convento, defendeu o Rio de Janeiro contra os franceses, o que lhe valeu a patente de Capitão de Infantaria.

A respeito da imagem que encontra-se na frente do Convento e um lugar de destaque, Frei Clarêncio Neotti, disse que,

Essa imagem que hoje o povo chama de Santo Antônio do Relento, na verdade já esteve, presidindo o altar-mor do nosso santuário, e é imagem histórica que acompanhou o Exército brasileiro na derrota aos franceses quando eles invadiram a Baía da Guanabara, e em compensação ele foi feito membro do Exército brasileiro e passou a receber soldo como um herói. Esse soldo foi pago a Santo Antônio até 1911, quando uma portaria do ministro, portaria que nunca foi encontrada apesar de todas as pesquisas, cancelou o soldo dele. Mas é uma imagem histórica nesse sentido e talvez a imagem mais antiga que nós temos no Rio de Janeiro conservada e ainda em veneração.

Frei Basílio Röwer, em seu livro ainda conta que,

“(...) nos seguintes Estados do Brasil S. Antônio tem patente de oficial do exército: Paraíba, Pernambuco, Bahia, Espírito Sant, Minas, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás. Recebia antigamente também o soldo correspondente. Era uma esmola que entregavam geralmente aos Conventos Franciscanos para o culto do Santo, em agradecimento pela proteção que dispensava a suas armas”.
Em 1754, o Senado da Câmara da Vila de Igaraçu (Pernambuco) pretendeu até fazer S. Antônio vereador, com a propina de 27$000. O rei não consentiu, mas autorizou que se esse ao Convento Franciscano da localidade a dita propina (...)”.

Mas isso não é tudo, pois Renato Pacheco e Luiz Guilherme Santos Neves, ao escreverem o “Índice do Folclore Capixaba”, Gráfica Ita, Vitória, 1994, pg. 116, no item dedicado a Santo Antônio eles contam que,

“(...) É o padroeiro de centenas de igrejas brasileiras, tendo sido honrado com patentes militares, tais como soldado (como ocorreu no Espírito Santo), alferes, capitão e tenente-coronel, com soldo regularmente pago pelas câmaras municipais, e invocações a sua interferência em horas aflitivas. Nas procissões, saía portando espada, dragonas e condecorações, legítima herança portuguesa. (...)”.

3.7 - As Festas


O discurso folclórico, em toda a sua complexidade, não abrange apenas a palavra, mas também meios comportamentais e expressões não-verbais e até mitos e ritos que, vindos de um passado longínquo, assumem significados novos e atuais, graças à dinâmica da Folkcomunicação6.

O homem é um ser social e como tal necessita estar em contato com outros seres para trocar idéias, experiências, aprender, ensinar e transmitir os seus conhecimentos.
Na comemoração dos dias santos e padroeiros de cada uma das paróquias brasileiras, as festas bem como a procissão, é o ponto alto dos festejos, e se situam no interregno entre o religioso e o profano.
No capítulo “A Festa como objeto de estudo”, escrito por Maria Nazareth Ferreira e publicado no livro “As Festas Populares na Expansão do Turismo – A Experiência Italiana”, pgs. 13-19, ela conta que,


(...) Estas festas, consideradas “pagãs”7 após o nascimento do cristianismo, foram objeto de intensa ação da recém-nascida religião com o objetivo de extingui-las. Entretanto, sendo, como eram, manifestações profundamente enraizadas nas práticas cotidianas da população, não restou outra alternativa à Igreja que incorporá-las a sua liturgia. Após vários séculos de estreita simbiosis entre o sagrado e o profano8, atualmente estas manifestações projetam no cenário da pós-modernidade toda a força de suas raízes, as quais, sobrepondo-se aos limites da liturgia e da fé católicas, identificam as verdadeiras faces da cultura como prática cotidiana e como expressão comunicativa.

(...) A institucionalização da festa; cada festa comporta uma organização comunitária e uma regulamentação da parte do grupo festivo, que é mais ou menos amplo ou complexo. Neste componente organizacional, ao lado do elemento organizativo-comunitário entra o quadro de referência ideológico anteposto à festa e que, segundo o caso, se refere a um mito de origem ritual ou simbolicamente reatualizado, à lenda de fundamentação de um culto; à imagem de um santo cristão; à um momento crítico da existência ou a um evento histórico, social ou político, que deve ser comemorado e re-evocado, para renovar o impulso de vencer os percalços da cotidianidade através do fenômeno festivo.
(...) Numa festa de significado religioso, podem ocorrer processos modernizadores, transformando-a em espetáculo com conotações mundanas e lúdicas, com estruturas grandiosas e suntuosas que, muitas vezes, fogem ao contexto do meramente religioso. Entretanto, para o entendimento correto da cultura que permeia o fenômeno festivo em questão, será necessário ter presente a força do mito como um dado concreto.
O primeiro deles é a capacidade que a festa tem de trazer para a atualidade, desde longínquas épocas, as experiências culturais vivenciadas por determinada população; o segundo aspecto refere-se ao fato de que, mesmo contrariando as práticas intencionalmente concebidas no momento da festa, os usos e costumes mais profundos vivenciados pela cotidianidade e entranhados no inconsciente afloram, mostrando a verdadeira face de um povo, moldada através da cultura.
Destes dois aspectos existentes no fenômeno “festa”, é possível extrair os elementos de identidade mais significativos de uma determinada cultura, bem como entender estes elementos como um sistema de comunicação, que permite ao observador avaliar como o passado e o presente se articulam no interior desta cultura e as várias formas de identidade que são ao mesmo tempo ressignificadas, assumindo novos aspectos.
Do ponto de vista científico, a festa é um singular objeto de estudo, contemplado por especialistas de todas as correntes. É tão significativo para o homem, como ser comunicativo e social, que se pode afirmar – como o faz Lanternari – que não existe sociedade humana sem festas. Assim, a festa sendo como é, uma categoria da cultura, é um “...espelho no qual o ser humano se reflete buscando respostas para sua condição de precariedade frente à vida”.
(...) A festa deve ser vista como um conjunto de atos cerimoniais de caráter coletivo pela sua colocação dentro de um tempo delimitado, tido como “diverso” da cotidianidade. Em qualquer tipo de festa, o grupo ou a comunidade interrompe o tempo ordinário para entrar, coletivamente, na dimensão de um tempo carregado de implicação cultural e de conotação psíquica própria, diferente daquele tempo ordinário ou cotidiano. Este aspecto pode ser claramente identificado nas festas (...); as pessoas que desfilaram (...), que dançavam e cantavam (...), que encenavam (...), que teatralizavam (...), pareciam estar vivendo um outro momento, diferente de sua cotidianidade; não apenas interpretavam, mas vivenciavam uma experiência cultural de outra ordem.
De fato, o tempo festivo se coloca, com respeito ao tempo ordinário ou cotidiano, como seu complemento dialético, como o ser em relação ao fazer – eu sou (a materialidade do ser, a força de sua existência social) – e, na festa religiosa, como o sagrado em relação ao profano. Fazer festa significa colocar-se diante do espelho, procurando a si mesmo e à sua identidade; é buscar reencontrar as garantias histórico-culturais, reconfirmando-as na força da representação, no ato comunicativo e comunitário. Esta ação de resgatar a própria identidade é fundamental para encontrar-se a si mesmo e recuperar um equilíbrio que pode estar ameaçado. Este resgate, entretanto, é um ato conflitivo, porque significa incorporar novos valores àqueles tradicionais.
(...) Por outro lado, a festa possui uma dupla e contraditória potencialização entre conservação e criatividade cultural. De um lado, empurra o indivíduo à fuga, à evasão da realidade banal, do cotidiano, para mergulhar no momento mágico da festa, que é também o momento do sagrado e do caos primordial. Esta evasão é provocada pelas técnicas que constituem a parte essencial da instituição festiva: o riso, o jogo, a dança, a música, a alegria, o descontrole orgiástico, o dramático etc. De outro lado, o clima festivo abre uma possibilidade psicológica e fornece uma carga de energia psíquica que permite ao indivíduo enfrentar com vigor e independência criativa as batalhas do cotidiano.
(...) O mesmo tom identitário ocorre nas outras festas examinadas, principalmente naquelas festas religiosas cujo santo homenageado é considerado o patrono da cidade; sempre será destacado um episódio histórico e/ou milagroso, relacionando o santo com as raízes histórico-culturais da cidade.


E assim passamos a compreender o porquê das festas em diversos festejos espalhados pelo mundo inteiro. Ainda a respeito das festas, Cristina Schmidt, analisou a comunicação que é feita através das festas populares e folclóricas em seu artigo “O Comunicador Folk e as Festas de Uma Só”, publicado no Anuário Unesco/Umesp de Comunicação Regional, volume 5, pgs. 35-39,

“(...) É convivendo nesse universo que percebo a dimensão da “Festa como processo comunicacional” balizada pelas teorias da comunicação, da sociologia, da antropologia, da economia, do turismo compondo uma visão transdisciplinar.
As potencialidades culturais e turísticas despontam atualmente pois ocorre o rompimento de fronteiras (transnacionalização, ou globalização), e a “busca das raízes” torna-se um posicionamento do mercado local no mercado globalizado.
Em razão desse processo, posso afirmar que nos dias atuais, as manifestações da cultura popular, particularmente as Festas não manifestam apenas os aspectos tradicionais, mas assimilam características decorrentes desse processo maior, dando-lhes novas formas e novos significados. Pude verificar que elas sofreram adaptações aos modos culturais urbanos por quatro motivos circunstanciais: 1. houve a mudança do homem do campo para a cidade e agora, a sua volta ou a mudança do homem da cidade para o campo; 2. a ocupação urbana da maioria das cidades se ampliou a ponto de ocupar áreas rurais; 3. o fenômeno da conurbação que provoca uma reestruturação física do espaço geográfico e natural da região, e sintomaticamente traz delineamentos na cultura em geral, e nas festas em particular; 4. e a implantação de meios de comunicação de massa locais e regionais.
(...) As festas populares e folclóricas constituem um momento em que o grupo é levado a reencontrar suas origens e, deste modo, também, uma forma de identificação coletiva, de comunicação coletiva. Permitem a liberdade de expressão e a valorização local e até individual. Elas incorporam elementos/códigos novos, “atualizam” os já existentes, ou retomam alguns passados. As festas são expressão e patrimônio simbólico de um grupo social em um processo de comunicação.
Nem urbanas, nem rurais. Essas festas, para as comunidades envolvidas, assemelham-se às das sociedades tradicionais, referidas por Bakhtin como sendo um segmento da vida cotidiana marcadamente constituída por elementos arquetípicos. Os ritos e espetáculos ocupam um espaço muito importante na vida delas, isto por terem uma relação com o extraordinário, o povo penetra no reino utópico da universalidade, liberdade, igualdade e abundância. E independentemente das imposições do mercado, a festa serve de atualização das crenças, dos mitos, do cosmos. A partir do reavivamento de elementos do patrimônio cultural local, o povo todo se renova e renasce.
(...) Para Canclini, essas mesclas, mudanças, encontros e reelaborações se dão em decorrência do que ele chama de “reconversão” econômica e simbólica, “com que os migrantes camponeses adaptam seus saberes para viver na cidade, e seus artesanatos para interessar a consumidores urbanos; quando os trabalhadores reformulam seu processo de trabalho frente as novas tecnologias produtivas sem abandonar suas crenças antigas (...)” e é um processo que ocorre tanto para os receptores/agentes como para os meios de comunicação (Canclini, 1995: 14).
(...) “cada ambiente gera seu próprio vocabulário e sua própria sintaxe, e que cada agente comunicador emprega o canal que tem a mão e que melhor saiba utilizar” (Beltrão, 1990: 40); e eu acrescento, cada mensagem é recodificada dentro do universo sócio/cultural de formação do comunicador folk e no qual atua e tem interesses. Sendo assim, os folkcomunicadores/líderes de opinião vão representar posições diferentes quanto a significação e formatação da festa e, com isso, sustentar/estruturar festas diferentes em momentos diferentes. Daí que eu posso ter várias festas da mesma festa, ou até não tê-la mais”.


No artigo “Pesquisas no Folclore Mágico-Religioso e outras, em Sergipe”, publicado na Revista Brasileira de Folclore, Ano XI, n. 29, janeiro/abril de 1971, pg. 61, que Felte Bezerra nos conta como eram os festejos de Santo Antônio na sua longínqua infância, em Sergipe.


“(...) As festas juninas, ali se compunham das tradicionais novenas de Santo Antônio, que terminavam no dia consagrado a este santo, 13 de junho, e das comemorações da véspera e dia de São João, 23 e 24, e da véspera e dia de S. Pedro, 28 e 29 do mesmo mês.
Na minha infância, as novenas eram rezadas sempre na sala de frente de casas baixas, cujas janelas, devidamente abertas, permitiam a presença de crescida assistência, que se denominava “sereno”.
Todas as rezas eram cantadas em côro, além dos versos recitados em louvor ao Santo, que as entremeavam. Em algumas delas, após o foguetório que assinalava o final da novena, e geralmente no último dia, seguiam-se danças, que se iniciavam após o cuidado precípuo de voltar as imagens do altar, armado na sala de frente, de costas para o público. Sem esse cuidado, jamais era iniciada qualquer dança, um simples
bailarico”.


Roberto Benjamin, foi outro catedrático que ao escrever o artigo “Expandindo a Proposta da Obra Fundadora”, publicado no mesmo Anuário (op. cit.), pg. 19-22, nos transmite o conhecimento sobre o que são as festas populares.


“(...) Paulo de Carvalho Neto lembra – no Dicionário de Teoria Folclórica – que “a festa é um conjunto orgânico de várias manifestações de uma só vez, isto é, um complexo (= conjunto de fatos culturais interligados)”.
“Festas” não constituem um padrão único, com características próprias e exclusivas. Ainda que se possa estabelecer características comuns, os seus propósitos e as suas motivações são muito variados. Estamos muito distantes do tempo em que a festa poderia ser definida como um momento de quebra espontânea do cotidiano de trabalho e da inversão das posições sociais naquilo que tem sido chamado de o mundo pelo avesso.
Passemos, portanto, a tentar estabelecer as variadas categorias em que possam ser classificadas as festas, para facilitar a posterior abordagem dos seus processos comunicacionais.
São, no entanto, as festas públicas, as que merecem mais atenção. Uma distinção essencial está entre as festas institucionalizadas – aquelas realizadas por iniciativa de uma instituição, com rituais normatizados e sujeitos aos ditames de autoridade e hierarquia. Tais eventos, no decorrer do tempo, podem cair no gosto popular e serem folclorizados integralmente ou – como no caso de algumas festas religiosas – manter dois momentos distintos, ditos sagrado e profano ou, mais apropriadamente, sujeitos a normatização hierárquica e folclorizados. (...) A outra categoria são as festas espontâneas, tanto os festejos folclóricos tradicionais, como as comemorações públicas de conjuntos de parcela da população urbana, como as comemorações de vitórias esportivas, por exemplo. Aqui ocorre o fenômeno inverso, ou seja, a institucionalização da festa. Vale dizer, cooptação e manipulação da festa espontânea por interesses políticos, religiosos e econômicos. Os desfiles das escolas de samba são o exemplo mais evidente desse tipo de institucionalização no Brasil.
Uma outra chave de classificação das festas (públicas e privadas) é quanto à motivação de sua realização. Segundo a motivação as festas poderiam ser classificadas como religiosas, cívicas, esportivas e político-eleitorais. Naturalmente, essas categorias existem tanto entre as festas institucionais quanto institucionalizadas quando de natureza espontânea.
(...) Os processos comunicacionais que ocorrem na preparação, realização e no tempo que sucede à festa são muito variados, indo desde a comunicação interpessoal – direta e indireta -, comunicação grupal, até a comunicação de massas, para utilizar a velha e didática classificação dos funcionalistas.
Os processos comunicacionais que utilizam a linguagem – verbal ou escrita – apresentam grande facilidade na sua documentação e interpretação, uma vez que estão – salvo exceções – no código lingüístico do pesquisador. (...) As dificuldades para o estudo começam a se agravar quando os processos comunicacionais ocorrem com outras linguagens, tais como a icônica e, especialmente, as diversas linguagens empregadas no rituais.
(...) Um outro elemento a considerar é que as manifestações tradicionais – pelo fato mesmo de serem tradicionais – desenvolveram um percurso histórico, ao longo do qual os significados foram sendo alterados. Assim, é indispensável a utilização do método histórico para a compreensão dos fatos estudados. Essa concepção da dinâmica cultural implica em admitir que no momento da observação estejam sendo atribuídos significados anteriores. Por outro lado, os diferentes participantes de uma festa e a sua assistência poderão atribuir significados bastante variados a um mesmo conteúdo apresentado.
(...) Esta observação é fundamental em relação às festas, especialmente em relação àquelas que se consideravam espontâneas ou folclorizadas e hoje estão sendo convertidas em festas institucionais e manipuladas por interesses religiosos, políticos e especialmente econômicos, passando de eventos comunitários para converter-se em grandes eventos da cultura de massas.
As festas, em geral, vêm sofrendo significativas mudanças em sua organização, no Brasil, resultantes da massificação da cultura, da urbanização, da divisão do trabalho e da modalidade da economia capitalista adotada.
A tradição da festa era a do amadorismo do festeiro. Constituía uma honra o indivíduo ser escolhido para organizar a festa da comunidade. Cabia-lhe o ônus de financiar, com seus próprios recursos, ou de levantar os recursos necessários, através da mobilização da comunidade. Na cultura de massa, o festeiro virou profissional. Agora é denominado como “promotor cultural” ou, mais pedantemente ainda, como “promoter” e já não é uma honra atribuída pela comunidade, mas uma disputa entre pessoas que se propõem não a gastar dinheiro, mas a ganhar dinheiro com a realização da festa.


Através de trechos dos artigos “Folkcomunicação positivo oportunismo de quase meio século”, escrito por Antônio Hohlfeldt, publicado no mesmo Anuário (op. cit.), pgs. 33-34, e o artigo “Comunicação Popular e Região no Brasil”, escrito por José Marques de Melo, publicado na revista Comunicação/Incomunicação no Brasil, Editora Loyola/UCBC, 1976, pgs. 37-48, que concluímos esse capítulo sobre as festas.


“(...) Ora as festas não apenas atualizam quanto reinterpretam, transformam e projetam um episódio ou ritual num futuro imediato. Elas se tornam crescentemente importantes porque, quanto mais ocorrerem – isto é – quanto mais diminuírem o interregno que as separam, melhor podem fazer frente ao esgotamento que a velocidade crescente de nosso universo urbano e industrializado experimenta, graças às tecnologias contemporâneas de informação. A aceleração do ritmo de mudanças só pode ser freado, enfrentado ou, ao menos, controlado, se as festas se sucederem também num ritmo crescente, valendo-se de suas próprias estratégias, de modo a transformá-las quase que ao mesmo tempo em que são transformadas, porque isso lhes permite re-significar as próprias alterações.
Não se trata, pois, de ficarmos presos àquela indagação a respeito da existência ou da sobrevivência do folclore ou da cultura popular. Sabemos que elas sobrevivem, mas sobrevivem transformadas, ao mesmo tempo em que igualmente transformam. Apagam-se, assim, vestígios de dicotomias e oposições: embora haja especificidades em cada estratégia, na verdade vivemos processos comunicacionais muito semelhantes, para estudá-las, de metodologias apropriadas, como bem (...) salientou também Jorge Gonzalez.
(...) resta-nos a certeza do vislumbre iluminado que teve Luiz Beltrão, há quase meio século quando, percebendo determinados fenômenos ao mesmo tempo culturais e comunicacionais, dispôs-se a estudá-los sob esta última ótica – já que sob a outra vinham sendo pesquisados desde o advento dos estudos folclóricos – gerando este novo campo de debate e conhecimento que é a folkcomunicação. (...) Mas tudo o que ele disse a respeito das diferentes manifestações culturais populares podem ser aplicadas genericamente às festas, cujos estudos devem acrescentar, depois, os específicos de cada uma delas, além das questões abrangentes e generalizadoras que ele chegou a sugerir quando aborda a marginalização cultural, no que elas, certamente, se inserem. (Folkcomunicação positivo oportunismo de quase meio século), Antônio Hohlfeldt”.
“(...) Como no mistério do átomo, as regiões possuem as suas unidades subatômicas: os grupos não integrados na cultura dominante, os grupos marginalizados, seja intelectual, econômica, política ou ideologicamente, seja até mesmo etnicamente.
Esses quistos intra-regionais têm de ser considerados no processo da comunicação em guetos que, por não se encontrarem expostos aos mass media ou por não terem acesso aos mesmos, ora por não entenderem a sua linguagem, ora por não poderem adquiri-los ou empregá-los na difusão de suas próprias idéias, esses grupos marginalizados nem por isso se furtam à participação na atividade essencial da recepção e transmissão de mensagens culturais, de formas de saber e esquemas de conduta, de opiniões, atitudes e experiências, sem as quais até a sobrevivência estaria em risco.
(...) A história religiosa não é menos ilustrativa em exemplos do abismo entre o magistério sacerdotal e os crentes. Falam linguagens diferentes. Por tanto tempo sacerdotes e pastores usaram o latim ou as velhas formas medievais de evangelizar; por tanto tempo estiveram à sombra do poder e forma dóceis porta-vozes, adequando a mensagem evangélica à manutenção do status quo, que, agora, empurrados pelo Concílio Vaticano II e pelos ideais ecumênicos dos seus púlpitos para as ruas, as fábricas, as favelas e os grandes centros diversionais, não sabem como agir e falar. A grande massa da audiência não os compreende ou não lhes dá crédito. Ela só acredita, também no que tange à religião, nos seus catimbós.
Catimbó, aqui, significa o universo dos ideais e anseios populares por uma vida melhor, que proporcione a todos oportunidade de libertação do pauperismo físico e espiritual. Libertação da fome, da doença, da sub-informação, libertação do medo, da injustiça, da exploração desumana do seu trabalho, da negação de sua pessoa.
(...) Julgamos que é nosso dever perscrutar os horizontes, recolher e analisar os dados, a fim de levarmos ao povo a nossa mensagem, ajudando-o a expressar a sua opinião e manifestar seus anseios de libertação material e espiritual. (...) busquemos pesquisar regionalmente os catimbós, aquilo em que crê o homem marginalizado da sociedade urbana e rural, surpreendendo o processo mediante o qual essas populações se informam e cristalizam suas opiniões para uma ação próxima ou remota. (Comunicação Popular e Região no Brasil) José Marques de Melo”.

6 - O Folclore como discurso, In: BARRETO, Luiz Antônio, org. Encontro Cultural de Laranjeiras, 20 anos, Sergipe, Fundação Estadual da Cultura, 1994, p. 39-43, 72.
7 - A palavra “pagão” deriva do costume das religiões antigas de pagar, expiar culpas em cerimônias, festas, etc., quase todas com o caráter de expiação. Cf. G. Vaccai. Le feste di Roma ântica: miti, riti, costumi. Roma, Mediterranèe, 1986, p.210.
8 - O significado da palavra “profano” está na própria vivência cultural da mesma: profani (isto é, fora do templo). Renato del Ponte. Op. cit., p. 18.

3.8 - Os ex-votos e o pagamento de promessas


O católico fervoroso quando necessita de alguma graça, faz sacrifícios, se humilha, pede e promete, que se a graça for alcançada, ele irá pagar a promessa de uma determinada maneira. Isso tem sido feito há séculos pelos devotos de qualquer santo.
Para falar sobre a origem dessa determinação do ser humano em pagar promessas ouvimos diversas pessoas e em seus relatos conseguimos distinguir de onde vem essa vontade do homem e da mulher pagarem promessas.
Eis o depoimento de Maria Jocélia de Souza, conhecida em Mineiros como “Maria Rezadeira”,

(...) pra chegar um, com (?), uma perna é um braço, é não sei o quê. Graças a Jesus, graças a Deus que Ele tá poderoso, que é maior, entra no meu terreiro e Deus ajuda, que quando sai, sai melhor. Aí então isso é uma graça de Deus, que eu segui.

Ao ser indagado sobre os ex-votos, ou milagres de cera como ele conhece, Paulo Roberto Soares de Souza, conta que,

(...) no caso que são as pessoas católica que quando tem uma enfermidade, seja na cabeça, seja no braço, seja mulher no útero, seja o homem aonde for na próstata, ou seja na perna, tá com enfermidade faz aquele pedido ao santo de sua devoção, então ele conseguindo aquele pedido, ele vai, entendeu? Lá naquela igreja, naquele santo que ele fez o pedido e coloca aquela pasta naquela área que ele foi beneficiado pelo aquele santo, né?

Ao receber uma graça alcançada, o povo agradece ao santo que intercedeu de várias formas, uma delas são os ex-votos. Em seu depoimento a idosa Durvalina Ribeiro Gama, que por sinal havia trabalhado muitos anos antes na Igreja de Santo Antônio declarou que,

(..) é bilhetinho, agora não, porque eu já não fico muito à frente, lá da igreja, mas quando eu ajudava muito na igreja, nos pés dele, no dia de Santo Antônio, ou qualquer dia que fosse limpar encontrava sempre muito bilhetinho, pedindo muita coisa de tudo, de tudo, porque ele é muito poderoso, Santo Antônio faz grandes coisas (...)

Mas diferentemente em relação a Santo Amaro, conhecido como santo da Baixada Campista, a Igreja de Santo Antônio, em Guarus, não possui uma sala para guardar os ex-votos. A respeito disso o padre Paulo Henrique explicou que,

“Com certeza esse fato é verídico, há sim em Aparecida do Norte, que tem uma sala lá de ex-votos, aqui nós não temos, mas as pessoas de vez em quando chegam e deixa um rim, uma cabeça, uma perna e é costume também deixar, embora a gente saiba que Deus ele quer nosso coração, e aquilo é só uma demonstração talvez do local físico onde aconteceu a intervenção de Deus, então é mais ou menos comum isso acontecer, aqui nós não temos”.

E ao conhecer o casal Antônio Carlos Carvalho de Souza, marido de Adriana, Ministra da Eucaristia e Guardiã da Capela de Santa Maria, localizada na rua Nazário Pereira Gomes, no bairro do Fundão, em Guarus, esse pesquisador acaba encontrando nele, não apenas o fiel, devoto de Santo Antônio, mas o resultado de uma homenagem ao santo, diante do milagre da vida, que ele mesmo conta,

Meu nome seria Carlos Irineu, mas pela minha mãe na época da gravidez ter problema de saúde, ela fez uma promessa a Santo Antônio se tudo corresse bem com ela, e eu nascesse bem, meu nome seria, passaria a ser Antônio Carlos, Antônio, né? Em homenagem a Santo Antônio pelo pedido que ela fez, e graças a Deus correu tudo bem, hoje eu me chamo Antônio Carlos pro essa homenagem a Santo Antônio.

3.9 - As Recordações

Ao empreender um vasto trabalho de pesquisa para a sua tese de doutorado, Luiz Beltrão chama-nos a atenção para diversos objetos e folhinhas impressas com figuras de santos de um lado e do outro, uma oração ou um agradecimento, as quais são conhecidas pelos nomes de “lembrai-vos” e “piedosas recordações”.
No livro “Folkcomunicação: Teoria e Metodologia”, editora UMESP. 2004. pg. 139-142, ele relata que encontrou essas folhinhas com a imagem de Santo Antônio e uma oração que descrevemos a seguir:


“Antoninho pequeninho
se vestia e se calçava,
sua mãe lhe perguntava:
Onde vais Antoninho?Vou dar descanso eterno ao Geraldinho”.

3.10 - Os Oratórios

A fé do ser humano não possui limites, e na dificuldade em encontrar um bom lugar para rezar para o seu santo protetor, o homem criou oratórios, onde ele finalmente colocar a imagem do seu santo em um local adequado e depois em silêncio orar por ele, agradecendo e pedindo graças que foram alcançadas ou que ainda não foram alcançadas. O “Almanaque Santo Antônio”, publicado pela Editora Vozes, em sua página 74, nos conta sobre os diversos tipos de oratórios e suas finalidades como veremos a seguir:

ORATÓRIOS DE VIAGEM
Estes objetos têm como característica o fato de serem itinerantes. Nessa categoria existem: os oratórios da algibeira, assim chamados pelo tamanho diminuto, que possibilita serem transportados no bolso do fiel; os oratórios de esmoler usados pelos mendicantes eram pendurados no pescoço e podiam possuir uma gaveta para guardar o dinheiro arrecadado; os oratórios arca, que eram transportados por padres a localidades distantes, para celebração dos casamentos, batizados, missas fúnebres, etc.; os oratórios bala, assim denominados pelo formato semelhante ao das balas de cartucheira, muito usados por tropeiros; os oratórios alcova, que passavam de mãe para filha, que dos mosteiros de freiras iam para as casas dos fiéis; além do belo oratório pingente, usado como jóia por mulheres brancas, negras ou índias.
ORATÓRIOS POPULARES
Nessa categoria existem oratórios de salão, oratórios de alcova ou de quarto e oratórios ermidas. As chamadas ermidas eram grandes oratórios que cumpriam a função doméstica e pública da Capela, especialmente nas propriedades rurais que, longe das vilas, necessitavam de um local próprio para o cumprimento dos ofícios católicos. A cultura colonial possibilitou ainda a formação de um sincretismo religioso, onde as misturas étnicas enriqueceram a arte do período. Foi o que se verificou através dos oratórios afro-brasileiros, elaborados pela mão negra escravizada. Esses oratórios, toscamente confeccionados, eram bastante ricos em elementos simbólicos. Apareceram ainda oratórios rústicos, de enorme singeleza, também usados pelas camadas mais modestas da população. Qualquer invólucro, por mais simples que fosse, cumpria sua função de morada do santo de devoção.
ORATÓRIOS ERUDITOS E DE REFERÊNCIA ARTÍSTICA
Nos salões de classes mais abastadas, buscava-se ornamentar os oratórios de maneira mais elaborada. Aí a decoração era esmerada e mantinha certos padrões formais, nos motivos, na iconografia, na policromia, etc. Entre os exemplares mais significativos encontra-se algumas preciosidades como um oratório elaborado dentro de um ovo de ema, os oratórios-concha, os oratórios lapinha, grandes e ricas ermidas e oratórios de salão de talha requintada. Alguns oratórios transitam entre o erudito e popular, possuindo ricos detalhes aliados ao formato simples de pequenos armários.