terça-feira, 18 de setembro de 2007

PAES, Silvia. (depoimento. 29/nov/2005).


Silvia Paes, 29/11/2004
Historiadora do Museu de Campos – Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima.

Eu gostaria que você me falasse tudo a respeito da construção da Igreja de Santo Antônio.
A Igreja de Santo Antônio de Guarus tem muito pouca coisa escrita sobre ela, mas a gente consegue pescar uns pedacinhos de ... pra juntar o quebra-cabeça, e segundo consta a Igreja de Santo Antônio ela resulta da demolição, não é bem demolição, da destruição com o tempo, não foi uma destruição proposital da última capelinha que havia ainda na Aldeia, dos índios goitacá em Guarus, próximo no local onde hoje é aquele bairro da Aldeia, era ali uma capelinha, e essa capela caiu numa chuva. Era um capela muito simples e os moradores, o que restou da antiga Aldeia, mais os moradores próximos pediram à Câmara Municipal que fosse construído uma nova igreja. E essa igreja demorou muito a sair. Os barões que tinham terras em Guarus, entre eles o Barão de Muriaé por exemplo, doou a porta da igreja, outros doaram tijolos, telhas, emprestaram escravos para construir a igreja, e a igrejinha de Santo Antônio de Guarus então foi erguida dessa forma. E a antiga capela que abrigou os santos e o Santíssimo durante a construção da igreja, ela ainda existe, na Nazário Pereira Gomes, é um capela muito pequena, muito singela, mas que tem um significado muito grande para os moradores daquela região. Ela inclusive está sendo não restaurada, porque ela também não tem assim um estilo arquitetônico relevante, mas ela está sendo recuperada goteira, telha, essas coisas atualmente, pela comunidade.

Você me disse que os negros é que construíram essa igreja atual, foi isso?
Olha só, o momento era de escravidão, é claro que não só apenas negros, mas também porque uma forma dos proprietários, dos grandes proprietários de terra escrava colaborarem com as coisas públicas era cedendo a mão de obra de seus escravos, mas entre eles sem dúvida que deveria ter havido brancos pobres, que tinham também mestiços, dos índios goitacás, descendentes dos índios goitacá, ainda na construção da igreja, mas nós não temos, eu não posso afirmar isso a você, quanto era de cada um porque não existe documento sobre isso.

Você falou a respeito da antiga capela na Nazário Pereira Gomes, ela encontra-se aberta, a pessoa pode visitar?
Pode, ela se encontra aberta, é uma capela mas é muito pequena, não tem assim, não tem pintura, não tem um altar, barroco, como seria de se pensar, não, ela é uma capela muito simples. O que ela reúne é a boa-vontade da comunidade, é o elemento agregador. Tem uma área muito boa, mas ela não tem assim uma arquitetura muito relevante, não, mas de qualquer forma ela é importante porque é um passo para a igreja de Santo Antônio.

(...) Alguma coisa escrita lá, você viu a documentação de lá, né?
- Não, ainda não.

(...) Muito interessante a documentação, lá. Tem um professor da Uerj, que pesquisou lá, e ele disse que “os documentos são muito interessantes”, porque tem, ele comparou com os documentos da igreja de Itaocara e São Fidélis, então ele pôde perceber é a busca dele, o trabalho dele é em cima de índios, então ele pôde perceber a sazonalidade da mão de obra indígena de Guarus para São Fidélis, de São Fidélis a Itaocara, e volta para Guarus. Em momentos de safra, de cana, de construção, de oferta de trabalho, mesmo. Muito interessante, que ele achou esses documentos, que ele pôde comparar...

Há um outro detalhe também, existe um livro que comenta, inclusive faz referência aos índios Guarulhos, isso mesmo? Quer dizer que havia uma pequena comunidade de índios Guarulhos?
É que veja bem, quando a gente fala índios goitacá, a gente está se referindo a nação goitacá, que era a sua totalidade, ou seja, a totalidade das tribos reunidas em uma nação, que era a nação goitacá, um território. Esse território era do Rio Macaé ao Rio Itabapoana, do mar a Serra do Mar, esse era o território da nação goitacá, que era uma cultura diferente do restante porque o goitacá era cultura Ge, e os outros vizinhos era cultura Tupi, os Guaranis estão lá no sul, que mais tarde, eles, os guaranis, vão subindo o litoral e se encontram com os Tupis, daí a cultura tupi-guarani, é a miscigenação dessas duas. E na nação goitacá, nós tínhamos várias tribos, as tribos: Guarulhos; tribos Coroado, que uns dizem que são os mesmos Guarulhos, mas o guarulho aldeado, que aí ele vai se chamar Coroado, porque tinham o cabelo cortado como os franciscanos. Como padre franciscano que deixava o cabelo por cima e raspava mais para a parte de baixo, como se fosse a coroa, e que esses índios Guarulhos seriam os mesmos Coroados de São Fidélis, há controvérsias aí, que a gente não tem nenhum documento dizendo que era o mesmo. Nós tínhamos os índios Saruçús ou Saruels, próximo a Lagoa de Cima, que era aldeia deles; uma tribo Goitacá; Guarulhos ou Coroados; Saruçús ou Saruels; e, Guanhães, os Guanhães também. Tudo isso são tribos da nação Goitacá. Isso que como a gente fala, índio goitacá, parece que tem um, não, mas tem Guarulhos, tem os Saruçus lá de ..., os Saruçús e Saruels eram lá de Conceição de Macabú, também porque eles tinham um território muito amplo e trocavam de território, eram semi-nômades, e nós vamos encontrar o índio goitacá até no alto da Serra do Mar, em Guaçui, em... beirando Minas, o Espírito Santo, um pouco, porque esses índios, houve um momento em que eles ultrapassaram o território deles, atravessaram pro lado de lá do Itabapoana, quando o Aimoré permitia, então a gente de vez em quando ouve falar: “ah, mas ta lá em Guaçui, e a gente, o índio goitacá em Guaçui, tem forma, tem jeito de ter”, porque eles andavam muito, o território ora muito grande.

Quer dizer, naquela época não existia ainda a divisão por estados.
Exato, mas...

Eles se dividiam por rios...
É exatamente, mas nem se tivesse divisão por estados, o índio não obedece, é como cultura, a cultura não tem território delimitado. Não há onde termina ou aonde acabe uma cultura, um traço cultural. E os índios eles viviam em briga com os Aimorés, por causa disso, cruzavam o território do outro era o maior... Tanto que as aldeias de Pero de Góis e Gil de Góis foram destruídas em função também dessa briga na fronteira com os Aimorés, que era uma outra cultura, então o fundamento das brigas também além da questão territorial, era uma questão cultural, porque eram dois grupos de culturas diferentes. Hoje a gente tem os Xavantes, os Funiô, ainda com esse traço da cultura Ge, que é a raiz do índio goitacá.

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