terça-feira, 18 de setembro de 2007

5.2 - O que é Folkcomunicação?

Para entrarmos no mérito da questão, é necessário buscarmos a compreensão e a visão que Luiz Beltrão teve ao estudar o folclore para sua tese de doutorado. Em uma entrevista, publicada em Cadernos INTERCOM, n. 57, S. Paulo, Intercom, 1987, jul-dez, pg. 5-15, Ano X, Beltrão conta que,

“(...) Edson Carneiro foi o único homem que percebeu que o folclore não era estático, o folclore não era uma coisa parada no tempo, mas uma coisa dinâmica. (...) pois, eu verifiquei que qualquer manifestação popular estava ligada ao povo, porque o povo não tinha meios, ele utilizava esses meios que lhe davam. Aconteceu que eu vi que a função da comunicação não estava tão somente em informar ou orientar, estava também em educar; havia uma função educativa, uma função diversional e havia uma função promocional. Então eu comecei a aprofundar estes estudos e o resultado é que o conceito de Folkcomunicação foi ampliado para não trocar notícias, mas sim para se educar. Dizer o que ele quer dizer, se promover e entreter-se também, divertir-se do mesmo modo. Nós usamos o sistema estabelecido, o qual chamei do comunicação social para fazer uma diferenciação da comunicação folclórica. O folclore é uma manifestação da sabedoria do povo, quer dizer, o povo faz o folclore. Na Folkcomunicação, o que a gente procura é a mensagem real, atual, escondida naquela manifestação antiquada. É preciso analisar isso em profundidade, não ficar nas aparências”.

Beltrão ainda conta em sua tese de doutoramento “Folkcomunicação, um estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias”, publicado no livro “Folkcomunicação: teoria e metodologia”, Universidade Metodista, São Bernardo do Campo, 2004, pg. 27, que,

“(...) Achava-se de acordo com a tese de Edson Carneiro, segundo a qual “sob a pressão da vida social, o povo atualiza, reinterpreta e readapta constantemente os seus modos de sentir, pensar e agir em relação aos fatos da sociedade e aos dados culturais do tempo”. (...) Folkcomunicação é, assim, o processo de intercâmbio de informações e manifestação de opiniões, idéias e atitudes da massa, por intermédio de agentes e meios ligados direta ou indiretamente ao folclore.

Em “Mediações comunicacionais: relações entre mídia e folclore”, In: BELTRÃO, Luiz, Comunicação e folclore, São Paulo, Melhoramentos, 1971, p. 11-16, ele ainda acrescenta que,

“(...) Antropologistas como Edison Carneiro advertiam que “sob a pressão da vida social, o povo atualiza, reinterpreta e readapta constantemente os seus modos de sentir, pensar e agir em relação aos fatos da sociedade e aos dados culturais do tempo”, fazendo-o por meio do folclore, que é dinâmico porque, “não obstante partilhar, em boa percentagem, da tradição e caracterizar-se pela resistência à moda (...) é sempre, ao mesmo tempo como que uma acomodação, um comentário e uma reivindicação”.
(...) De saída, foi-me preciso recorrer às páginas da história. Reler os cronistas coloniais, retornar à época em que, no Brasil, não havia estradas, nem meios de transporte e, muito menos, folhas impressas. Saber como se comunicavam os indígenas, senhores da terra, mesmo antes que aqui chegassem as velas lusitanas. E acompanhar, através dos séculos de povoamento, a evolução dos meios primitivos de contato social”.

E José Marques de Melo, ainda acrescenta, em “A pesquisa da Folkcomunicação”, In; MARQUES DE MELO, José, org. – Pesquisa em comunicação no Brasil: tendências e perspectivas, São Paulo, Cortez/INTERCOM/CNPq, 1983, p. 70-76, que,

“(...) Édson Carneiro (...) do seu conceito de folclore, não como um corpo orgânico mumificado, mas como fenômeno social vivo, dinâmico, em constante transformação, dialeticamente sendo e não sendo idêntico fenômeno ao mesmo tempo. Na defesa do seu acertado e afinal triunfante ponto de vista, (...) Não obstante partilhar, em boa percentagem, da tradição, e caracterizar-se pela resistência à moda, o folclore é sempre, ao mesmo tempo que uma acomodação, um comentário e uma reivindicação” (Dinâmica do folclore, Rio, Civilização Brasileira, 1965).
(...) Saintyves reconheceu a importância (...) “A vida popular (...) embora seja uma vida particular, é difusa em toda a vida civilizada. Não se deve considerá-la com uma atividade em compartimento estanque (...). O estudo das sociedades civilizadas requer (...) o estudo aprofundado do folclore, das maneiras por que o povo reage às sugestões que lhe são feitas, dos meios empregados para fazer com que as aceite, para criar nele novas maneiras de agir, de se divertir e de trabalhar, novos modos de crer e de pensar”.
O folclore, modificando-se sob a ação geral das várias forças espontâneas e dirigidas da sociedade, por sua vez provoca modificações no todo, que é a sociedade. São ensinamentos de Édison Carneiro.
(...) Entre os estudos inspirados nas linhas, em fase de conclusão, pelo autor desta comunicação, está intitulado A herança de um duende indígena em que se tenta uma interpretação da noção do caiporismo, da falta de sorte, que Gilberto Freyre considera “tão ligada à vida psíquica do brasileiro”, porque sempre presente no espírito e na ação de significativo número de pessoas por meio de superstições, práticas medicinais mágicas e medidas preventivas, sem cujo conhecimento e obediência jamais podem alcançar aquele ideal de vencer pela aventura e não por um espírito de construção pertinaz”.

Finalmente em “O sistema da Folkcomunicação”, publicado em “Folkcomunicação, a comunicação dos marginalizados”, São Paulo, Cortez, 1980, p. 27-40, Beltrão nos deixa o seu legado, cujas palavras são as seguintes,

(...) Em outras palavras, a Folkcomunicação é, por natureza e estrutura, um processo artesanal e horizontal, semelhante em essência aos tipos de comunicação interpessoal já que suas mensagens são elaboradas, codificadas e transmitidas em linguagens e canais familiares à audiência, por sua vez conhecida psicológica e vivencialmente pelo comunicador, ainda que dispersa.
(...) A expressão marginal surge, na literatura científica, pela primeira vez em 1928, em artigo de Robert Park sobre as migrações humanas, publicado no American Journal of Sociology. O migrante é ali definido como um “híbrido cultural”, um “marginal”, que, embora compartilhe da vida e das tradições culturais de dois povos distintos, “jamais se decide a romper, mesmo que lhe fosse permitido, com seu passado e suas tradições, e nunca (é) aceito completamente, por causa do preconceito racial, na nova sociedade em que procura encontrar um lugar”.
(...) O autor se refere à situação do migrante estrangeiro; contudo, tanto a essência das características grifadas (oposição à mudança/preconceito) como a tipificação a seguir coincidem com nosso objeto: “É um indivíduo à margem de duas culturas e de duas sociedades que nunca se interpenetraram e fundiram totalmente” (grifos nossos). Posteriormente, o termo ganhou significado pejorativo sendo o marginal considerado elemento perigoso, ligado ao mundo do crime, o fora-da-lei, vagabundo, violento, homem ou mulher que viva da bebida, dos tóxicos, da prostituição e dos atentados à propriedade. Extensivamente, foi aplicado “aos pobres em geral, desempregados, migrantes, membros de outras subculturas, minorias raciais e étnicas e transviados de qualquer espécie” (Perlmann).
(...) O mesmo autor assinala, (...) a influência da invasão do exterior, como ocorreu na América Latina, onde “o processo da colonização implicou não apenas conquista e invasão, mas contato cultural e manipulação diária da população indígena”, o que colocou as culturas existentes numa situação marginal; e ainda a inexistência do fenômeno em sistemas tribais ou feudais, já que o primeiro “não implicava conceito de superioridade” e, no último, “havia a aceitação tácita da sua posição e da natureza hierárquica da sociedade”.
(...) Não se deve esquecer que, enquanto os discursos da comunicação social são dirigidos ao mundo, os da Folkcomunicação se destinam a um mundo em que palavras, signos gráficos, gestos, atitudes, linhas e formas mantêm relações muito tênues com o idioma, a escrita, a dança, os rituais, as artes plásticas, o trabalho e o lazer, com a conduta, enfim, das classes integradas da sociedade. Relações semelhantes, em sua consistência, às quais ligam ao latim a língua falada no Brasil ou a doutrina e a moral católicas ao sincretismo e à ética umbandista”.

Em “Introdução à Folkcomunicação – Gênese, paradigmas e tendências”, publicado no livro “Folkcomunicação – Teoria e Metodologia”, Editora UMESP, São Paulo, 2004, pg. 15-19, José Marques de Melo nos conta sobre o olhar de Beltrão diante do fenômeno que era o folclore e das suas atualizações.

“(...) No artigo sobre o “ex-voto”, ele suscitava o olhar dos pesquisadores da comunicação para um tipo de objeto que já vinha sendo competentemente estudado pelos antropólogos, sociólogos e folcloristas, mas negligenciado pelos comunicólogos. (...) Na verdade, Beltrão descobrira que os processos modernos de comunicação massiva coexistiam, no espaço brasileiro-nordestino, com fenômenos de comunicação pré-moderna. Eram reminiscências do período medieval-europeu, transportadas pelos colonizadores lusitanos e historicamente aculturadas, aparentando uma espécie de continuum simbólico. Tais veículos de comunicação popular ou de folkcomunicação, como ele preferiu denominar, mesmo primitivos ou artesanais, atuavam como meros retransmissores ou decodificadores de mensagens desencadeadas pela indústria da comunicação de massa (jornais, revistas, rádio, televisão).
(...) Nesse sentido ele tomou ao pé da letra a proposta de Câmara Cascudo: ande primeiro com os próprios pés e veja com os próprios olhos para depois comparar com as pegadas e os olhares dos outros. (...) A globalização permite vislumbrar o cenário de um mundo polifacético e multicultural. Ele sugere que qualquer inserção pro-ativa no seu universo depende basicamente do capital simbólico acumulado nas mega, macro ou micro-regiões, potencialmente convertíveis em imagens e sons capazes de sensibilizar a aldeia global. Vale dizer, ancorados em dimensão universalizante. Ou, em outras palavras, enraizados na cultura popular, mas traduzidos para a linguagem da cultura de massa”.

E no mesmo artigo (op. cit.), pg. 11-14, José Marques de Melo, acrescenta que,

(...) A Folkcomunicação constitui uma disciplina científica dedicada ao “estudo dos agentes e dos meios populares de informação de fatos e expressão de idéias”, como bem a definiu seu fundador, Luiz Beltrão, na tese de doutoramento defendida em 1967 na Universidade de Brasília. Seu objeto de estudo situa-se na fronteira entre o Folclore (resgate e interpretação da cultura popular) e a Comunicação de Massa (difusão industrial de símbolos por meios mecânicos ou eletrônicos destinados a audiências amplas, anônimas e heterogêneas).
Se o Folclore compreende formas interpessoais ou grupais de manifestação cultural protagonizadas pelas classes subalternas, a Folkcomunicação caracteriza-se pela utilização de mecanismos artesanais de difusão simbólica para expressar, em linguagem popular, mensagens previamente veiculadas pela indústria cultural.
(...) Tais apropriações são mais comuns nos formatos ficcionais ou musicais. No entanto, o próprio jornalismo se abastece continuamente nas fontes da cultura popular, registrando indícios das sobrevivências tradicionais na vida das comunidades modernas. Tais manifestações populares se convertem em notícias pelo seu caráter inusitado, pitoresco ou sentimental.
(...) Desta maneira, a folkcomunicação adquire cada vez mais importância pela sua natureza de instância mediadora entre a cultura de massa e a cultura popular, protagonizando fluxos bidirecionais e sedimentando processos de hibridação simbólica.
(...) FOLKCOMUNICAÇÃO – Em termos gerais, pode-se dizer que folkcomunicação é comunicação em nível popular. Por popular deve-se entender tudo o que se refere ao povo, aquele que não se utiliza dos meios formais de comunicação. Mais precisamente: Folkcomunicação é a comunicação através do folclore. (...) A origem do termo Folkcomunicação se deu em 1967, com a tese de doutoramento do Prof. Luiz Beltrão... (LUYTEN)
20.


Para contar-nos um pouco sobre Luiz Beltrão, encontramos no artigo “Expandindo a proposta da obra fundadora”, escrito por Roberto Benjamin, e publicado no Anuário UNESCO/UMESP de Comunicação Regional, vol. 5, pg. 18, essas palavras,


“(...) Luiz Beltrão não foi um etnógrafo. O material etnográfico que aparece na sua obra científica reflete a sua vivência como repórter dos jornais do Recife e são anteriores à formulação de “Folkcomunicação” a sua tese de doutoramento. O material bibliográfico, de natureza etnográfica, de que se valeu para a elaboração da tese foi produzido por folcloristas e antropólogos que não tinham uma preocupação com o enfoque que pioneiramente tratado no Brasil por Beltrão. As poucas leituras – cujas citações são acrescidas na elaboração do livro Folkcomunicação – a comunicação dos marginalizados, pouco acrescentam à obra original.
Por tudo isso – e em razão da dinâmica da vida cultural no Brasil – os escritos de Luiz Beltrão precisam ser apreciados como obra fundadora, que abre uma nova perspectiva no caminho dos estudos da Comunicação e que requer uma revisitação que permita expandir a sua proposta para compreender os fatos culturais e comunicacionais do nosso tempo”.

Finalmente concluímos esse trabalho, com trechos do artigo de Antônio Hohlfeldt, “Folkcomunicação positivo oportunismo de quase meio século”, (op. cit.), pgs. 26-31, e que tão bem conceitua a folkcomunicação e o legado de Luiz Beltrão para todos aqueles que desejam se aprofundar nos estudos folclóricos em nosso país.


“(...) De qualquer modo, o de que se pode ter absoluta certeza é a respeito da dinâmica excepcional de que o campo se alimenta, na medida em que, justamente, como todos reconhecemos com facilidade, é interdisciplinar, por exigir simultaneamente apelo a diferentes áreas não só das ciências sociais, em aproximações horizontais e eqüitativas, quanto multidisciplinar, indo a etnografia à sociologia, passando pela antropologia, o folclore, a comunicação social, a lingüística, a literatura, a semiótica, a música, etc.
Naquele texto, breve mas instigante, Silva interroga-se, sinteticamente, sobre o que é o popular em época de comunicação de massa? (p. 24) Existirá ainda o popular, num tempo em que a indústria cultural tudo contamina ou recobre? (p. 26) Há folclore em gestação? (p. 28) Tudo o que é folclórico é popular? O popular é um vestígio de outras épocas ou uma construção permanente? (P. 29) Deve-se diferenciar o popular folclórico do popular de massa? (p. 29) A folkcomunicação ocupar-se-ia de um popular sob intervenção (p. 29).
É evidente que transcrevo estas questões não com o fito de respondê-las aqui, de imediato e, muito menos, in totum. Mas observe-se que estas não deixam de ser questões interessantes e que, de algum modo, têm pontuado parte das pesquisas e das formulações teóricas do e sobre o campo.
Comecemos com o conceito central. Constantemente citado, encontramos o conceito assim formulado:
Conjunto de procedimentos de intercâmbio de informações, idéias, opiniões e atitudes dos públicos marginalizados urbanos e rurais, através de agentes e de meios direta ou indiretamente ligados ao folclore6.
O reiterado conceito – até porque não se possuía até então publicado o texto original da tese de doutoramento do autor – nasce a partir de 1965, fixa-se em letra de forma em 1967 e expande-se, daí em diante, aprofundando-se e se enriquecendo. Um depoimento do autor explica a gênese desta preocupação.
Quando eu terminei o primeiro (livro sobre jornalismo), um fenômeno me apresentou curioso (sic): se o sujeito é analfabeto, como é que ele se informa? Se ele não vai ao cinema e se ele não tem televisão, como é que ele intercambia opinião?
Luiz Beltrão, deste modo, está pontuando duas questões básicas, aliás, mais tarde verbalizadas claramente por Roberto Benjamin:
Todas as sociedades tradicionais tem veículos de comunicação que preenchem as funções que as sociedades desenvolvidas atribuem aos meios de comunicação social. Quando os meios de comunicação social se afirmam nas sociedades em desenvolvimento, os canais populares atuam como intermediários entre as elites e as massas, retransmitindo as mensagens, depois de elaboradas.
(...) Felizmente, desde logo, Luiz Beltrão soube fugir desta tentação, a partir de sua própria experiência de vida, como já referiu em muitas ocasiões, e por isso pensou a folkcomunicação como uma comunicação de resistência, mais do que simplesmente alternativa ou de marginalizados. Soube entender que a marginalização não poderia ser apenas um conceito atribuído passivamente a estes amplos segmentos populares, porque eles não se valem das estratégias dos meios de comunicação social apenas porque não podem ascender a eles, mas deveria ser pensado enquanto conceito ativo, ou seja, estes segmentos não se sentem plenamente atendidos por estes meios de comunicação social ou, mesmo, negam-se a eles ou, enfim, e sobretudo, hoje em dia, valem-se deles apenas como uma fonte a mais para sua inspiração, criação, qualificação e ampliação de suas próprias estratégias.
(...) Como o conceito de folkcomunicação, contudo, só tem sentido a partir da situação dicotômica da existência de diferentes segmentos populacionais e suas respectivas culturas e modos de ser, é fundamental que os estudos que se desenvolvem no campo da folkcomunicação guardem cuidadosamente e sigam a lição do mestre para não se apropriar, apenas, daquele conhecimento e técnica, mas sim para estudá-lo e interpretá-lo em situação de empatia, a fim de compreender, valorizar a respeitar seus emissores:
Na folkcomunicação o que a gente procura é a mensagem real, atual, escondida naquela manifestação antiquada. É preciso analisar isso em profundidade, não ficar nas aparências.

20 - LUYTEN, Joseph – Folkcomunicação, In: QUEIROZ E SILVA, Robert P. de, coord. – Temas Básicos em Comunicação, São Paulo, Paulinas/INTERCOM, 1983, p. 32-34.

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