terça-feira, 18 de setembro de 2007

3.12 – O negro na história do Brasil, e de Campos dos Goytacazes


É necessário fazer aqui um pequeno relato da história do país, desde o descobrimento, passando pelas capitanias hereditárias para que possamos compreender a entrada do homem negro em nosso país até a sua colaboração no contexto folclórico de nossa terra e construção da igreja dedicada a Santo Antônio, em Guarus. Segundo dados colhidos na Enciclopédia Conhecer, volume II, p. 334, edição 1971, Editora Abril Cultural,


“os europeus já utilizavam o trabalho escravo no século XIV. No Brasil, os portugueses tentaram escravizar inicialmente os índios, mas seu sistema primitivo era completamente diferente e os homens não estavam aptos ao trabalho sistemático e sedentário, além de não conhecer os instrumentos agrícolas de metal. Como os jesuítas também estavam empenhados em colocar dificuldades, os portugueses então se voltam para a África, até porque desde 1550, 10% da população de Lisboa eram constituídos por escravos, e o mesmo esquema foi implantado no Brasil”.


E é no artigo “Viagens do Rosário entre a Velha Cristandade e o Além-Mar”, de Juliana Beatriz Almeida de Souza, publicado no livro Estudos Afro-Asiáticos, ano 23, n. 2, 2001, pp. 386-389, que passamos a compreender de que forma Portugal conseguiu conquistar os africanos e de que forma saíram daquele continente, homens, mulheres e crianças como escravos.


“Só a partir das duas últimas décadas do século XV a cristianização da África negra conheceu medidas e resultados consistentes. Com D. João II e D. Manuel I, o esforço apostólico da Coroa portuguesa passou dos atos isolados à adoção de uma política assentada, em traços gerais, na conversão dos reis gentios e na formação de um clero nativo (Riley, 1998:162)
(...) A terceira zona identificada por J. F. Marques abrangia o reino do Congo e a ponta meridional costeira da África. A chegada ao Reino do Congo, depois de meio século de investidas para o reconhecimento da costa ocidental da África e do golfo da Guiné, revelou aos portugueses uma área na qual não havia a influência islâmica.
Em fins do século XV, D. João II mandou a primeira expedição, sob o comando de Diogo Cão, que saiu do Tejo em direção à feitoria da Costa da Mina. Após curta estada, Diogo Cão rumou para o Sul e alcançou a foz do Rio Congo. Desembarcou na margem esquerda e erigiu em Mpinda, porto de desembarque que seria de passagem obrigatória nos séculos XV e XVI, o padrão de S. Jorge. Ali, entrou em contato com Nsoyo, chefe da localidade e soube que no interior ficava a Corte do mani Congo, Nzinga-a-Nkuwu, chefia máxima do reino. O reino do Congo, naquela época, abrangia grande parte da África centro-oriental e se dividia em províncias, como a de Nsoyo, administradas por linhagens nobres. Mbanza Kongo era a capital, centro de poder de onde o mani Congo administrava a confederação juntamente com um grupo de nobres que formavam o conselho real (Vainfas & Souza, 1998:97).
Diogo Cão enviou emissários portugueses rio acima, levando, segundo a crônica de João de Barros, um presente ao rei da terra. Como não regressaram dentro do prazo, Diogo Cão voltou ao Reino português levando alguns nativos como reféns. De volta ao Congo, esses homens foram integrados em uma embaixada de D. João II ao mani Congo. Segundo a famosa crônica de Garcia de Resende, do século XV, o rei português ofertava sua amizade e convidava o rei congolês à fé cristã, recomendando-lhe que deixasse os “ídolos e feitiçarias” que adoravam em seu Reino. Diogo Cão desceu em terra os congoleses que levara para Portugal e recolheu os portugueses que tinham ficado da sua primeira viagem. As informações obtidas pelos dois lados facilitaram a ulterior recepção do mani Congo, tendo cumprido aí papel importante os reconduzidos reféns congoleses.
(...) A colonização do território de Angola teve sua base inicial nos contatos com o reino do Congo. A ex-província Ngola, após sua independência do reino do Congo, mandou uma embaixada a Portugal pedindo missionários para instruírem o reino de Angola na fé cristã. Segundo Araújo & Santos (1993:653), entretanto, mais que o interesse na conversão, o soberano de Angola, reconhecendo a importância que as relações com Portugal conferiam ao rei congolês e buscando afirmar sua independência, tentava, com a embaixada, reatar o tráfico de escravos na região e com isso ganhar poder econômico e político em relação ao rei do Congo. Em 1559, foi enviada uma missão chefiada por Paulo Dias de Novais para, entre outros fins, converter o rei angolano e suas gentes.
Embora ao longo de todo o século XVI os portugueses continuassem a enviar escravos a partir do porto de Mpinda e do Loango, via S. Tomé, depois da fundação de Luanda, em 1575-76, Angola tornou-se o principal fornecedor de escravos.
No Congo, como em Angola, a missionação esteve presente junto aos primeiros esforços colonizadores, mas encontrou muitas dificuldades com o passar dos anos. E não se pode deixar de enfatizar que o maior problema da missionação, sem dúvida, foi a escravatura, da qual os religiosos não puderam passar ao largo”.


O Almanaque Abril 1995, pgs. 158 e 159, da mesma editora, relata que:


“Sem dinheiro para bancar os custos de um processo de colonização centralizado, Dom João III adota o modelo que já experimentara com sucesso nas possessões da África – o das Capitanias Hereditárias. (...) Pelo sistema de Capitanias Hereditárias, implantado entre 1534 e 1536, a Coroa repassa para a iniciativa privada a tarefa e os custos de promover a colonização.
A Colônia é dividida em 15 donatarias, ou capitanis: faixas paralelas de terra, com 50 léguas de largura, que vão do litoral até os limites do Tratado de Tordesilhas. São doadas a 12 capitães donatários, geralmente membros da pequena nobreza enriquecidos no comércio com o Oriente. Em troca das terras, comprometem-se com a Coroa em desenvolver a agricultura canavieira e montar engenhos de açúcar, produto raro e muito valorizado na Europa”.


E na página 159, o Almanaque faz menção a entrada do negro no Brasil.


“O trabalho compulsório do indígena é usado em diferentes regiões do Brasil, até meados do século XVIII. A caça ao índio é um negócio local e os ganhos obtidos com sua venda permanecem nas mãos dos colonos, sem lucros para Portugal. Por isso, a escravização do nativo brasileiro é gradativamente desestimulada pela metrópole, e é substituída pela escravidão negra. O tráfico negreiro é um dos mais vantajosos negócios do comércio colonial e seus lucros são canalizados para o reino.
A primeira leva de escravos negros que chega ao Brasil vem da Guiné, na expedição de Martim Afonso de Souza, em 1530. A partir de 1559, o comércio negreiro se intensifica. A Coroa portuguesa autoriza cada senhor de engenho a comprar até 120 escravos por ano. Sudaneses são levados para a Bahia e bantus espalham-se pelo Maranhão, Pará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo.
O tráfico negreiro é oficializado em 1568 pelo Governador-Geral, Salvador Correa de Sá. Em 1590, só em Pernambuco registra-se a entrada de 10 mil escravos. Não há consenso entre os historiadores sobre o número de escravos trazidos para o Brasil. Alguns, como Roberto Simonsen e Sérgio Buarque de Holanda, estimam esse número entre 3 milhões e 3,6 milhões. Caio Prado Júnior supõe cerca de 6 milhões e Pandiá Calógeras chega aos 13,5 milhões”.


Com estes pormenores fica fácil compreender a entrada do homem negro em nosso país, e Alberto Ribeiro Lamego, em seu livro “O Homem e o Brejo”, p. 82, conclui que,


“A sua aversão ao colonizador deve ter nascido não somente das tentativas bárbaras de escravização, como também de uma consciência inata de superioridade racial, oriunda de predomínios seculares”.


Isso por si só demonstra o porquê da Capitania de São Tomé, não ter conseguido se desenvolver como as de São Sebastião e Pernambuco. E na página 84, Alberto Lamego mostra através do relato de Couto Reis, em 1785, a forma com que os índios viam a chegada do homem branco e os diversos casos de morticínio que os homens brancos causaram a tribo goitacá dessa planície.


“(...) Ouvi os Coroados dizerem que muito se descontetavam em ver os brancos irem fazendo roças pela vizinhança da sua nova aldeia, e que aquilo se dirigia a tomarem posse das terras que o Capitão Grande lhes tinha dado: assim como antigamente já tinham praticado com os seus parentes que estiveram na aldeia de Santo Antônio de Guarulhos”.


Com esse relato, notamos aqui dois pontos importantes para esse trabalho; primeiro, o fato de existir uma aldeia e uma capela com o nome do Santo e, segundo, a origem do nome do Distrito, hoje, bairro de Campos em homenagem a uma tribo de índios que ali viveu. Na página 72, do mesmo livro, Alberto Lamego conta que,


“Disso temos mais recente exemplo em Couto Reis, que estranhamente omite a existência dos Guarulhos, dos quais já ninguém se lembra, mas cujo nome permanece ainda na povoação que evoluiu da aldeia indígena em frente a Campos, e que prolonga a cidade pela margem esquerda do Paraíba
9.
É possível fossem os mesmos Saruçus, aldeados segundo o cronista em Nossa Senhora das Neves, na margem esquerda do Rio Macaé, onde Cornélio Fernandes coloca uma aldeia de Guarulhos
10.
Sobre esses índios, há uma importante informação na Storia delle Missioni Del Capuccini do Pe. Rocco Cesinale, que denota ao mesmo tempo o seu remoto aldeamente. “Guarulhos e Guarus erano indi sulle rive del Paraíba del sud frai quali entrati Gio. Battista e compagni come prima posero stanza in Rio de Janeiro, furono accolti com umanità, com carità li raccolsero; onde uma nuova aldeã intitulata al santo lusitano di fronte a campo “...” Accanto ai Missionari francesi troviamo fin d’allora gli italiani. I prima tra i Guarulhos ter anni dopo l’ingresso dei confratelli (1672) in altra aldea più a ponente sulle sponde del Muriaé. Altri andarano ai goitacazi feroci ed antropofagi, per comporne nuove popolazioni. Um. p. Paolo Assunce poi cura Del borgo di S. Salvatore, oggi città di Campos”
11.

9 - Não obstante a negativa de Couto Reis, Capistrano de Abreu, em carta a Alberto Lamego identifica os Guarulhos de Campos aos de São Paulo, que também deixaram povoação do mesmo nome próximo à capital do Estado.
10 - Fernandes, Cornélio: “Etnografia Indígena do Rio de Janeiro”, Bol. Do Museu Nacional, vol. II, nº 4, pág. 18. Rio, 1928.
11
- Teixeira de Melo: Campos dos Goytacazes em 1881. Rio, 1886. Pág. 153. Tradução: “Guarulhos e Guarus eram índios que viviam nas matas do Paraíba do Sul, entre os quais estavam Gio Battista (João Batista) e companheiros, como antes instalados no Rio de Janeiro, foram acolhidos com humanidade e caridade onde uma nova aldeã intitulada pelo santo lusitano diante do campo “...” Junto aos missionários franceses, encontraram então, os italianos. O primeiro entre os Guarulhos por anos depois do ingresso dos co-irmãos (1672), em outra aldeia mais ao oeste (poente), às margens do Muriaé. Outros andaram aos Goitacazes ferozes e antropófagos, para compor novas populações. Um p. Paolo Assunce cuidou do burgo de São Salvador, hoje cidade de Campos”. (Tradução de Fernanda Ramos Wagner – Professora de Língua Portuguesa da Faculdade de Filosofia de Campos).

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