terça-feira, 18 de setembro de 2007

3.7 - As Festas


O discurso folclórico, em toda a sua complexidade, não abrange apenas a palavra, mas também meios comportamentais e expressões não-verbais e até mitos e ritos que, vindos de um passado longínquo, assumem significados novos e atuais, graças à dinâmica da Folkcomunicação6.

O homem é um ser social e como tal necessita estar em contato com outros seres para trocar idéias, experiências, aprender, ensinar e transmitir os seus conhecimentos.
Na comemoração dos dias santos e padroeiros de cada uma das paróquias brasileiras, as festas bem como a procissão, é o ponto alto dos festejos, e se situam no interregno entre o religioso e o profano.
No capítulo “A Festa como objeto de estudo”, escrito por Maria Nazareth Ferreira e publicado no livro “As Festas Populares na Expansão do Turismo – A Experiência Italiana”, pgs. 13-19, ela conta que,


(...) Estas festas, consideradas “pagãs”7 após o nascimento do cristianismo, foram objeto de intensa ação da recém-nascida religião com o objetivo de extingui-las. Entretanto, sendo, como eram, manifestações profundamente enraizadas nas práticas cotidianas da população, não restou outra alternativa à Igreja que incorporá-las a sua liturgia. Após vários séculos de estreita simbiosis entre o sagrado e o profano8, atualmente estas manifestações projetam no cenário da pós-modernidade toda a força de suas raízes, as quais, sobrepondo-se aos limites da liturgia e da fé católicas, identificam as verdadeiras faces da cultura como prática cotidiana e como expressão comunicativa.

(...) A institucionalização da festa; cada festa comporta uma organização comunitária e uma regulamentação da parte do grupo festivo, que é mais ou menos amplo ou complexo. Neste componente organizacional, ao lado do elemento organizativo-comunitário entra o quadro de referência ideológico anteposto à festa e que, segundo o caso, se refere a um mito de origem ritual ou simbolicamente reatualizado, à lenda de fundamentação de um culto; à imagem de um santo cristão; à um momento crítico da existência ou a um evento histórico, social ou político, que deve ser comemorado e re-evocado, para renovar o impulso de vencer os percalços da cotidianidade através do fenômeno festivo.
(...) Numa festa de significado religioso, podem ocorrer processos modernizadores, transformando-a em espetáculo com conotações mundanas e lúdicas, com estruturas grandiosas e suntuosas que, muitas vezes, fogem ao contexto do meramente religioso. Entretanto, para o entendimento correto da cultura que permeia o fenômeno festivo em questão, será necessário ter presente a força do mito como um dado concreto.
O primeiro deles é a capacidade que a festa tem de trazer para a atualidade, desde longínquas épocas, as experiências culturais vivenciadas por determinada população; o segundo aspecto refere-se ao fato de que, mesmo contrariando as práticas intencionalmente concebidas no momento da festa, os usos e costumes mais profundos vivenciados pela cotidianidade e entranhados no inconsciente afloram, mostrando a verdadeira face de um povo, moldada através da cultura.
Destes dois aspectos existentes no fenômeno “festa”, é possível extrair os elementos de identidade mais significativos de uma determinada cultura, bem como entender estes elementos como um sistema de comunicação, que permite ao observador avaliar como o passado e o presente se articulam no interior desta cultura e as várias formas de identidade que são ao mesmo tempo ressignificadas, assumindo novos aspectos.
Do ponto de vista científico, a festa é um singular objeto de estudo, contemplado por especialistas de todas as correntes. É tão significativo para o homem, como ser comunicativo e social, que se pode afirmar – como o faz Lanternari – que não existe sociedade humana sem festas. Assim, a festa sendo como é, uma categoria da cultura, é um “...espelho no qual o ser humano se reflete buscando respostas para sua condição de precariedade frente à vida”.
(...) A festa deve ser vista como um conjunto de atos cerimoniais de caráter coletivo pela sua colocação dentro de um tempo delimitado, tido como “diverso” da cotidianidade. Em qualquer tipo de festa, o grupo ou a comunidade interrompe o tempo ordinário para entrar, coletivamente, na dimensão de um tempo carregado de implicação cultural e de conotação psíquica própria, diferente daquele tempo ordinário ou cotidiano. Este aspecto pode ser claramente identificado nas festas (...); as pessoas que desfilaram (...), que dançavam e cantavam (...), que encenavam (...), que teatralizavam (...), pareciam estar vivendo um outro momento, diferente de sua cotidianidade; não apenas interpretavam, mas vivenciavam uma experiência cultural de outra ordem.
De fato, o tempo festivo se coloca, com respeito ao tempo ordinário ou cotidiano, como seu complemento dialético, como o ser em relação ao fazer – eu sou (a materialidade do ser, a força de sua existência social) – e, na festa religiosa, como o sagrado em relação ao profano. Fazer festa significa colocar-se diante do espelho, procurando a si mesmo e à sua identidade; é buscar reencontrar as garantias histórico-culturais, reconfirmando-as na força da representação, no ato comunicativo e comunitário. Esta ação de resgatar a própria identidade é fundamental para encontrar-se a si mesmo e recuperar um equilíbrio que pode estar ameaçado. Este resgate, entretanto, é um ato conflitivo, porque significa incorporar novos valores àqueles tradicionais.
(...) Por outro lado, a festa possui uma dupla e contraditória potencialização entre conservação e criatividade cultural. De um lado, empurra o indivíduo à fuga, à evasão da realidade banal, do cotidiano, para mergulhar no momento mágico da festa, que é também o momento do sagrado e do caos primordial. Esta evasão é provocada pelas técnicas que constituem a parte essencial da instituição festiva: o riso, o jogo, a dança, a música, a alegria, o descontrole orgiástico, o dramático etc. De outro lado, o clima festivo abre uma possibilidade psicológica e fornece uma carga de energia psíquica que permite ao indivíduo enfrentar com vigor e independência criativa as batalhas do cotidiano.
(...) O mesmo tom identitário ocorre nas outras festas examinadas, principalmente naquelas festas religiosas cujo santo homenageado é considerado o patrono da cidade; sempre será destacado um episódio histórico e/ou milagroso, relacionando o santo com as raízes histórico-culturais da cidade.


E assim passamos a compreender o porquê das festas em diversos festejos espalhados pelo mundo inteiro. Ainda a respeito das festas, Cristina Schmidt, analisou a comunicação que é feita através das festas populares e folclóricas em seu artigo “O Comunicador Folk e as Festas de Uma Só”, publicado no Anuário Unesco/Umesp de Comunicação Regional, volume 5, pgs. 35-39,

“(...) É convivendo nesse universo que percebo a dimensão da “Festa como processo comunicacional” balizada pelas teorias da comunicação, da sociologia, da antropologia, da economia, do turismo compondo uma visão transdisciplinar.
As potencialidades culturais e turísticas despontam atualmente pois ocorre o rompimento de fronteiras (transnacionalização, ou globalização), e a “busca das raízes” torna-se um posicionamento do mercado local no mercado globalizado.
Em razão desse processo, posso afirmar que nos dias atuais, as manifestações da cultura popular, particularmente as Festas não manifestam apenas os aspectos tradicionais, mas assimilam características decorrentes desse processo maior, dando-lhes novas formas e novos significados. Pude verificar que elas sofreram adaptações aos modos culturais urbanos por quatro motivos circunstanciais: 1. houve a mudança do homem do campo para a cidade e agora, a sua volta ou a mudança do homem da cidade para o campo; 2. a ocupação urbana da maioria das cidades se ampliou a ponto de ocupar áreas rurais; 3. o fenômeno da conurbação que provoca uma reestruturação física do espaço geográfico e natural da região, e sintomaticamente traz delineamentos na cultura em geral, e nas festas em particular; 4. e a implantação de meios de comunicação de massa locais e regionais.
(...) As festas populares e folclóricas constituem um momento em que o grupo é levado a reencontrar suas origens e, deste modo, também, uma forma de identificação coletiva, de comunicação coletiva. Permitem a liberdade de expressão e a valorização local e até individual. Elas incorporam elementos/códigos novos, “atualizam” os já existentes, ou retomam alguns passados. As festas são expressão e patrimônio simbólico de um grupo social em um processo de comunicação.
Nem urbanas, nem rurais. Essas festas, para as comunidades envolvidas, assemelham-se às das sociedades tradicionais, referidas por Bakhtin como sendo um segmento da vida cotidiana marcadamente constituída por elementos arquetípicos. Os ritos e espetáculos ocupam um espaço muito importante na vida delas, isto por terem uma relação com o extraordinário, o povo penetra no reino utópico da universalidade, liberdade, igualdade e abundância. E independentemente das imposições do mercado, a festa serve de atualização das crenças, dos mitos, do cosmos. A partir do reavivamento de elementos do patrimônio cultural local, o povo todo se renova e renasce.
(...) Para Canclini, essas mesclas, mudanças, encontros e reelaborações se dão em decorrência do que ele chama de “reconversão” econômica e simbólica, “com que os migrantes camponeses adaptam seus saberes para viver na cidade, e seus artesanatos para interessar a consumidores urbanos; quando os trabalhadores reformulam seu processo de trabalho frente as novas tecnologias produtivas sem abandonar suas crenças antigas (...)” e é um processo que ocorre tanto para os receptores/agentes como para os meios de comunicação (Canclini, 1995: 14).
(...) “cada ambiente gera seu próprio vocabulário e sua própria sintaxe, e que cada agente comunicador emprega o canal que tem a mão e que melhor saiba utilizar” (Beltrão, 1990: 40); e eu acrescento, cada mensagem é recodificada dentro do universo sócio/cultural de formação do comunicador folk e no qual atua e tem interesses. Sendo assim, os folkcomunicadores/líderes de opinião vão representar posições diferentes quanto a significação e formatação da festa e, com isso, sustentar/estruturar festas diferentes em momentos diferentes. Daí que eu posso ter várias festas da mesma festa, ou até não tê-la mais”.


No artigo “Pesquisas no Folclore Mágico-Religioso e outras, em Sergipe”, publicado na Revista Brasileira de Folclore, Ano XI, n. 29, janeiro/abril de 1971, pg. 61, que Felte Bezerra nos conta como eram os festejos de Santo Antônio na sua longínqua infância, em Sergipe.


“(...) As festas juninas, ali se compunham das tradicionais novenas de Santo Antônio, que terminavam no dia consagrado a este santo, 13 de junho, e das comemorações da véspera e dia de São João, 23 e 24, e da véspera e dia de S. Pedro, 28 e 29 do mesmo mês.
Na minha infância, as novenas eram rezadas sempre na sala de frente de casas baixas, cujas janelas, devidamente abertas, permitiam a presença de crescida assistência, que se denominava “sereno”.
Todas as rezas eram cantadas em côro, além dos versos recitados em louvor ao Santo, que as entremeavam. Em algumas delas, após o foguetório que assinalava o final da novena, e geralmente no último dia, seguiam-se danças, que se iniciavam após o cuidado precípuo de voltar as imagens do altar, armado na sala de frente, de costas para o público. Sem esse cuidado, jamais era iniciada qualquer dança, um simples
bailarico”.


Roberto Benjamin, foi outro catedrático que ao escrever o artigo “Expandindo a Proposta da Obra Fundadora”, publicado no mesmo Anuário (op. cit.), pg. 19-22, nos transmite o conhecimento sobre o que são as festas populares.


“(...) Paulo de Carvalho Neto lembra – no Dicionário de Teoria Folclórica – que “a festa é um conjunto orgânico de várias manifestações de uma só vez, isto é, um complexo (= conjunto de fatos culturais interligados)”.
“Festas” não constituem um padrão único, com características próprias e exclusivas. Ainda que se possa estabelecer características comuns, os seus propósitos e as suas motivações são muito variados. Estamos muito distantes do tempo em que a festa poderia ser definida como um momento de quebra espontânea do cotidiano de trabalho e da inversão das posições sociais naquilo que tem sido chamado de o mundo pelo avesso.
Passemos, portanto, a tentar estabelecer as variadas categorias em que possam ser classificadas as festas, para facilitar a posterior abordagem dos seus processos comunicacionais.
São, no entanto, as festas públicas, as que merecem mais atenção. Uma distinção essencial está entre as festas institucionalizadas – aquelas realizadas por iniciativa de uma instituição, com rituais normatizados e sujeitos aos ditames de autoridade e hierarquia. Tais eventos, no decorrer do tempo, podem cair no gosto popular e serem folclorizados integralmente ou – como no caso de algumas festas religiosas – manter dois momentos distintos, ditos sagrado e profano ou, mais apropriadamente, sujeitos a normatização hierárquica e folclorizados. (...) A outra categoria são as festas espontâneas, tanto os festejos folclóricos tradicionais, como as comemorações públicas de conjuntos de parcela da população urbana, como as comemorações de vitórias esportivas, por exemplo. Aqui ocorre o fenômeno inverso, ou seja, a institucionalização da festa. Vale dizer, cooptação e manipulação da festa espontânea por interesses políticos, religiosos e econômicos. Os desfiles das escolas de samba são o exemplo mais evidente desse tipo de institucionalização no Brasil.
Uma outra chave de classificação das festas (públicas e privadas) é quanto à motivação de sua realização. Segundo a motivação as festas poderiam ser classificadas como religiosas, cívicas, esportivas e político-eleitorais. Naturalmente, essas categorias existem tanto entre as festas institucionais quanto institucionalizadas quando de natureza espontânea.
(...) Os processos comunicacionais que ocorrem na preparação, realização e no tempo que sucede à festa são muito variados, indo desde a comunicação interpessoal – direta e indireta -, comunicação grupal, até a comunicação de massas, para utilizar a velha e didática classificação dos funcionalistas.
Os processos comunicacionais que utilizam a linguagem – verbal ou escrita – apresentam grande facilidade na sua documentação e interpretação, uma vez que estão – salvo exceções – no código lingüístico do pesquisador. (...) As dificuldades para o estudo começam a se agravar quando os processos comunicacionais ocorrem com outras linguagens, tais como a icônica e, especialmente, as diversas linguagens empregadas no rituais.
(...) Um outro elemento a considerar é que as manifestações tradicionais – pelo fato mesmo de serem tradicionais – desenvolveram um percurso histórico, ao longo do qual os significados foram sendo alterados. Assim, é indispensável a utilização do método histórico para a compreensão dos fatos estudados. Essa concepção da dinâmica cultural implica em admitir que no momento da observação estejam sendo atribuídos significados anteriores. Por outro lado, os diferentes participantes de uma festa e a sua assistência poderão atribuir significados bastante variados a um mesmo conteúdo apresentado.
(...) Esta observação é fundamental em relação às festas, especialmente em relação àquelas que se consideravam espontâneas ou folclorizadas e hoje estão sendo convertidas em festas institucionais e manipuladas por interesses religiosos, políticos e especialmente econômicos, passando de eventos comunitários para converter-se em grandes eventos da cultura de massas.
As festas, em geral, vêm sofrendo significativas mudanças em sua organização, no Brasil, resultantes da massificação da cultura, da urbanização, da divisão do trabalho e da modalidade da economia capitalista adotada.
A tradição da festa era a do amadorismo do festeiro. Constituía uma honra o indivíduo ser escolhido para organizar a festa da comunidade. Cabia-lhe o ônus de financiar, com seus próprios recursos, ou de levantar os recursos necessários, através da mobilização da comunidade. Na cultura de massa, o festeiro virou profissional. Agora é denominado como “promotor cultural” ou, mais pedantemente ainda, como “promoter” e já não é uma honra atribuída pela comunidade, mas uma disputa entre pessoas que se propõem não a gastar dinheiro, mas a ganhar dinheiro com a realização da festa.


Através de trechos dos artigos “Folkcomunicação positivo oportunismo de quase meio século”, escrito por Antônio Hohlfeldt, publicado no mesmo Anuário (op. cit.), pgs. 33-34, e o artigo “Comunicação Popular e Região no Brasil”, escrito por José Marques de Melo, publicado na revista Comunicação/Incomunicação no Brasil, Editora Loyola/UCBC, 1976, pgs. 37-48, que concluímos esse capítulo sobre as festas.


“(...) Ora as festas não apenas atualizam quanto reinterpretam, transformam e projetam um episódio ou ritual num futuro imediato. Elas se tornam crescentemente importantes porque, quanto mais ocorrerem – isto é – quanto mais diminuírem o interregno que as separam, melhor podem fazer frente ao esgotamento que a velocidade crescente de nosso universo urbano e industrializado experimenta, graças às tecnologias contemporâneas de informação. A aceleração do ritmo de mudanças só pode ser freado, enfrentado ou, ao menos, controlado, se as festas se sucederem também num ritmo crescente, valendo-se de suas próprias estratégias, de modo a transformá-las quase que ao mesmo tempo em que são transformadas, porque isso lhes permite re-significar as próprias alterações.
Não se trata, pois, de ficarmos presos àquela indagação a respeito da existência ou da sobrevivência do folclore ou da cultura popular. Sabemos que elas sobrevivem, mas sobrevivem transformadas, ao mesmo tempo em que igualmente transformam. Apagam-se, assim, vestígios de dicotomias e oposições: embora haja especificidades em cada estratégia, na verdade vivemos processos comunicacionais muito semelhantes, para estudá-las, de metodologias apropriadas, como bem (...) salientou também Jorge Gonzalez.
(...) resta-nos a certeza do vislumbre iluminado que teve Luiz Beltrão, há quase meio século quando, percebendo determinados fenômenos ao mesmo tempo culturais e comunicacionais, dispôs-se a estudá-los sob esta última ótica – já que sob a outra vinham sendo pesquisados desde o advento dos estudos folclóricos – gerando este novo campo de debate e conhecimento que é a folkcomunicação. (...) Mas tudo o que ele disse a respeito das diferentes manifestações culturais populares podem ser aplicadas genericamente às festas, cujos estudos devem acrescentar, depois, os específicos de cada uma delas, além das questões abrangentes e generalizadoras que ele chegou a sugerir quando aborda a marginalização cultural, no que elas, certamente, se inserem. (Folkcomunicação positivo oportunismo de quase meio século), Antônio Hohlfeldt”.
“(...) Como no mistério do átomo, as regiões possuem as suas unidades subatômicas: os grupos não integrados na cultura dominante, os grupos marginalizados, seja intelectual, econômica, política ou ideologicamente, seja até mesmo etnicamente.
Esses quistos intra-regionais têm de ser considerados no processo da comunicação em guetos que, por não se encontrarem expostos aos mass media ou por não terem acesso aos mesmos, ora por não entenderem a sua linguagem, ora por não poderem adquiri-los ou empregá-los na difusão de suas próprias idéias, esses grupos marginalizados nem por isso se furtam à participação na atividade essencial da recepção e transmissão de mensagens culturais, de formas de saber e esquemas de conduta, de opiniões, atitudes e experiências, sem as quais até a sobrevivência estaria em risco.
(...) A história religiosa não é menos ilustrativa em exemplos do abismo entre o magistério sacerdotal e os crentes. Falam linguagens diferentes. Por tanto tempo sacerdotes e pastores usaram o latim ou as velhas formas medievais de evangelizar; por tanto tempo estiveram à sombra do poder e forma dóceis porta-vozes, adequando a mensagem evangélica à manutenção do status quo, que, agora, empurrados pelo Concílio Vaticano II e pelos ideais ecumênicos dos seus púlpitos para as ruas, as fábricas, as favelas e os grandes centros diversionais, não sabem como agir e falar. A grande massa da audiência não os compreende ou não lhes dá crédito. Ela só acredita, também no que tange à religião, nos seus catimbós.
Catimbó, aqui, significa o universo dos ideais e anseios populares por uma vida melhor, que proporcione a todos oportunidade de libertação do pauperismo físico e espiritual. Libertação da fome, da doença, da sub-informação, libertação do medo, da injustiça, da exploração desumana do seu trabalho, da negação de sua pessoa.
(...) Julgamos que é nosso dever perscrutar os horizontes, recolher e analisar os dados, a fim de levarmos ao povo a nossa mensagem, ajudando-o a expressar a sua opinião e manifestar seus anseios de libertação material e espiritual. (...) busquemos pesquisar regionalmente os catimbós, aquilo em que crê o homem marginalizado da sociedade urbana e rural, surpreendendo o processo mediante o qual essas populações se informam e cristalizam suas opiniões para uma ação próxima ou remota. (Comunicação Popular e Região no Brasil) José Marques de Melo”.

6 - O Folclore como discurso, In: BARRETO, Luiz Antônio, org. Encontro Cultural de Laranjeiras, 20 anos, Sergipe, Fundação Estadual da Cultura, 1994, p. 39-43, 72.
7 - A palavra “pagão” deriva do costume das religiões antigas de pagar, expiar culpas em cerimônias, festas, etc., quase todas com o caráter de expiação. Cf. G. Vaccai. Le feste di Roma ântica: miti, riti, costumi. Roma, Mediterranèe, 1986, p.210.
8 - O significado da palavra “profano” está na própria vivência cultural da mesma: profani (isto é, fora do templo). Renato del Ponte. Op. cit., p. 18.

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